Adoção de ‘taxa de insucesso’ cresce em aquisições no Brasil

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20/03/2018

Taxas de insucesso ou multas por desistência estão se tornando comuns nas operações de fusões e aquisições no Brasil. Chamadas de “break-up fees” no jargão do mercado financeiro e comuns nos Estados Unidos e Europa, elas aparecem no mercado brasileiro em meio ao maior risco de veto de reguladores e à pressa para tirar concorrentes de uma disputa. Nessas operações, a empresa compradora assume o risco de a  aquisição não ser concluída por uma série de motivos, desde uma mudança nas condições econômicas, alterações na legislação do setor ou mesmo um veto parcial ou total de órgãos de defesa da concorrência.

Na maior aquisição da história brasileira – a venda da fabricante de celulose Fibria -, as multas propostas pelos interessados foram agressivas. A Suzano, que venceu a disputa com a asiática Paper Excellence, vai pagar R$ 750 milhões à Fibria se o negócio não se concretizar. No contrato assinado, se a operação for totalmente vetada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) , as empresas não arcam com qualquer multa. Mas, se o Cade exigir muitas alterações no negócio, como venda parcial de operações ou impedimento de crescer em algum mercado, e a Suzano considera que, no novo formato, o negócio não vale a pena, terá que pagar.

O valor negociado pela Suzano parece até pouco perto dos R$ 4 bilhões que a Paper Excellence chegou a oferecer como multa caso o negócio não se concretizasse, o que representava 10% da oferta de R$ 40 bilhões. “Um dos principais motivos para esse tipo de taxa é compensar o vendedor por perder outras oportunidades. A cláusula é mais comum quando envolve empresas de Capital aberto”, diz Rodrigo Mello, responsável pelo banco de investimento Greenhill no Brasil.

Esse foi claramente o caso da proposta agressiva da Paper Excellence. A empresa estava fazendo uma oferta que dispensaria o processo de “due dilligence” na Fibria e o negócio estava prestes a ser fechado com a Suzano quando a proposta foi feita. Segundo duas fontes que participaram do negócio, a primeira proposta da asiática, feita numa sexta-feira à noite , previa uma taxa de US$ 300 milhões à Votorantim. Para tentar convencer o BNDES, a companhia resolveu oferecer o mesmo montante ao banco que, por sua vez, pediu que também houvesse um valor correspondente para os minoritários. “De sexta para domingo, o valor saltou para Us$ 1,2 bilhão ,” diz um executivo ligado à companhia. Mas não adiantou.

Essa seria a maior multa de insucesso da história para operações brasileiras e ficaria entre as maiores do mundo nos últimos 15 anos. No ranking global de valores absolutos, segundo dados da consultoria Dealogic, a maior taxa já negociada em contrato foi de US$ 10 bilhões, em 2013, na transação em que a americana Verizon Communications comprou a participação da Vodafone na Verizon Wireless, por US$ 130 bilhões. Entre outros destaques, está a multa de US$ 3 bilhões que a cervejaria AB InBev se propôs a pagar à SABMiller, em 2015 a transação foi concluída com sucesso.

Já o valor no contrato assinado entre Suzano e Fibria é equivalente ao que foi estabelecido, em 2015, na aquisição da Cetip pela BM&FBovespa. Essa havia sido uma das poucas operações no país com essa cláusula, que acabou não sendo executada. “Historicamente, é muito pequeno o número de contratos que incluía essa cláusula e mais raro ainda vermos a execução dela”, afirma Cesar Amendolara, sócio do escritório Velloza advogados. Levantamento da Consultoria Dealogic feito a pedido do valor mostra que, de 2003 a 2015, apenas dez transações no Brasil previam essa taxa no período, foram mais de 2 mil transações de fusão e aquisição.

Desde 2016, no entanto, já foram pelo menos seis em contrato (nem todas as companhias tornam a informação pública). O grupo de ensino Ânima pagou R$ 46 milhões, em abril de 2016, quando desistiu de comprar a Ilumno (antiga Whitney do Brasil), taxa equivalente a 4% do valor da transação, de R$ 1,14 bilhão. Enquanto aguardava a aprovação regulatória, o governo brasileiro mudou as regras de financiamento estudantil e a operação deixou de fazer sentido para a Ânima.

O percentual está em linha com a média no mercado internacional, mas abaixo da média brasileira. Segundo a Dealogic, o “break-up fee” médio nos Estados Unidos é de 3,8% do valor da transação. O Brasil é que tem destoado desse percentual, com uma taxa média de 8,2% do valor do negócio.

Bancos e advogados ouvidos pelo Valor dizem que outro forte motivo que faz com que essa tendência seja crescente é o endurecimento do Cade nas grandes operações. Aumentou a chance de o negócio não sair e os vendedores acabarem de volta ao mercado para buscar outras soluções estratégicas. “A multa aparece principalmente em operações grandes, pois é quando há riscos de concentração e, assim , uma potencial dificuldade de o negócio ser totalmente aprovado”, diz o advogado João Ricardo Ribeiro, sócio do escritório Mattos Filho. Por isso, é comum no mercado internacional que, quando maior o risco de veto, maior a taxa.

Uma exigência regulatória considerada inviável para a conclusão do negócio foi o que aconteceu, por exemplo, na aquisição da Alesat Combustíveis pela Ipiranga, do Grupo Ultra. O Cade indicou que a compradora precisaria se desfazer de ativos que indicavam risco de concentração, que somariam quase 65% do negócio adquirido. Se a Ultra quisesse a aprovação, teria que vender mais da metade do que comprou o que a empresa não se propôs a fazer e a aquisição foi vetada pelo Cade em agosto de 2017. O Ultra não comenta se havia incluído um “break-up” nesse contrato, mas em outra operação do grupo, vetada seis meses depois pelo Cade, havia.

A Petrobras embolsou R$ 282 milhões na venda desfeita da Liquigás para o Ultra, correspondente a 10% do valor da transação, de R$ 2,8 bilhões. Com o dinheiro em caixa, a empresa avalia se tentará uma nova venda direta ou se vai fazer uma oferta de ações. Nesse caso, diferentemente do contrato entre Suzano e Fibria, o veto total do Cade gerava a multa.

Executivos ressaltam, no entanto, que a taxa nem sempre cobre o risco que a companhia correu. “Quando uma empresa volta para o mercado, normalmente é com desconto sobre o que foi fechado anteriormente”, afirma um advogado societário que trabalha nessas operações. Três fontes afirmam que a Alesat, por exemplo, está sendo negociada por cerca de R$ 400 milhões a menos do que a oferta vetada pelo Cade. Para empresas de capital aberto , isso pode implicar a desvalorização das ações. “O risco é que a empresa fica parda, sem tomar decisões relevantes como troca de equipe, cortes de custos ou mesmo outras ações estratégicas, esperando a conclusão do negócio”, diz o conselheiro de uma empresa aberta, que prefere não ser identificado.

Foi um cenário parecido com esse o que aconteceu no grupo de educação Estácio, enquanto aguardava a aprovação no Cade da aquisição por parte da Kroton. A empresa tinha um presidente novo, o executivo Pedro Thompson, que começou a executar alguns ajustes de orçamento à espera da aprovação regulatória da fusão – mas não adiantava demitir executivos ou buscar ganhos de sinergia em uma empresa que nem sabiam que tamanho ia ter ou quem ia comandá-la. Um ano depois do anúncio da fusão, o Cade vetou a operação e a Estácio embolsou R$ 150 milhões com o Veto. Os ajustes em larga escala, como demissão de professores e mudança na oferta de cursos, começaram depois de um ano de empresa praticamente congelada. Nesse caso, deu certo depois do veto, a Estácio não conseguiu uma nova negociação, mas a operação ganhou rentabilidade e as ações subiram.

Fonte: Valor econômico