Rebaixado há 2 anos, Brasil ainda tem 14 empresas com ‘selo de bom pagador’

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20/02/2018

 

Cerca de dois anos após o Brasil perder seu grau de investimento nas três principais agências de risco internacionais, um grupo de 14 empresas brasileiras ainda estampa este selo. Nem sempre pelo mesmo motivo, elas estão “blindadas” de alguma forma dos seguidos rebaixamentos sofridos pela nota do Brasil. O último aconteceu em janeiro.

O grau de investimento mostra que uma empresa, banco ou governo tem condições de pagar suas dívidas sem atraso. Ou seja, este “selo de bom pagador” indica que o risco de calote é baixo, e isso ajuda os investidores a decidirem se compensa aplicar seu dinheiro em títulos. Quanto pior a nota, mais caro a empresa precisa pagar para conseguir capital no mercado financeiro.

Das cerca de 130 empresas brasileiras avaliadas pela Standard & Poor’s (excluindo o setor financeiro), apenas oito têm o grau de investimento. Das 41 empresas classificadas pela Moody’s, apenas uma, a Ambev, está neste patamar. Na Fitch, 13 têm nota de qualidade, das 150 avaliadas.

Exterior e influência do governo
Dois aspectos protegem estas empresas do rebaixamento, na avaliação do economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini. “Elas não possuem muita proximidade com o governo e suas operações não estão todas concentradas no Brasil, com receita vinda do exterior”.

Com a retração do PIB em 2015 e 2016, muitas empresas brasileiras perderam valor, se endividaram ou acabaram vendendo parte de seus ativos.

Mas as exportadoras e multinacionais se beneficiaram da recuperação econômica no resto do mundo, com mais demanda por matérias-primas e dinheiro voltando a circular na Europa e Estados Unidos.

De olho na saúde financeira das empresas, as agências que cortaram a nota do Brasil avaliam se isto pode significar um potencial de geração de caixa insuficiente para cobrir as despesas e pagar as dívidas, especialmente as empresas com ligação mais forte com o governo brasileiro, observa o sócio-diretor da consultoria Mesa Corporate, Luiz Marcatti.

Bom desempenho também conta
Uma exceção é a fabricante de aeronaves Embraer, que apesar de ter uma participação minoritária do governo na empresa, por meio da BNDESPar, mantém o grau de investimento pela Fitch e S&P. “A companhia tem pouca concorrência e bom desempenho em vendas no exterior, além de ter um nível de governança diferente das estatais”, explica Agostini.

Também a mineradora Vale, que tem pequena participação do governo (4,3% das ações em circulação pertencem à BNDESPar), foi poupada de perder seu selo de qualidade e possui a nota mais alta de todas as empresas brasileiras, BBB+, pela Fitch.

Primeira companhia de controle 100% brasileiro a obter o grau de investimento, em 2005, a exportadora de minério de ferro sofre pouca influência estatal em suas decisões administrativas.

Isso diferencia a Vale de outras empresas que recebem suporte financeiro do governo, lembra Agostini. Empresas controladas pela União tiveram suas notas de crédito imediatamente rebaixadas junto à maior parte dos cortes de rating do Brasil, como foi o caso da Petrobras (mais de 50% da fatia é do governo) e da Eletrobras (com participação estatal de 60%).

Bancos e seguradoras, avaliados por uma metodologia diferente das demais empresas, também sofreram rebaixamentos pelo grau de influência do governo em suas atividades.

Sete caíram e duas subiram em quase 2 anos
O grupo das boas pagadoras ficou menor desde que o Brasil perdeu o selo. Passou de 19 para 14 desde maio de 2016. Neste intervalo, sete companhias caíram para o “grau especulativo” e apenas duas subiram.

Questões internas também contam nesta avaliação de crédito, lembra Agostini. No mesmo setor, empresas com perfil semelhante podem receber avaliações bem diferentes, conforme seu nível de endividamento e condição de caixa.

É o caso do segmento de papel e celulose, em que a segunda maior produtora global da matéria-prima, a Suzano, conquistou o selo de boa pagadora pela Fitch em dezembro de 2017, após reduzir sua dívida e ter forte geração de caixa.

Na direção contrária, a Klabin, maior produtora e exportadora de papel do país, perdeu o grau de investimento nas duas agências em que tinha o selo há cerca de dois anos, a Fitch e S&P.

Enquanto as varejistas sofreram com a crise, a Ambev se beneficiou de ter operações no mundo inteiro e uma boa capacidade de absorver impactos do cenário internacional, apesar de ter alguns desarranjos internos, lembra o economista-chefe da Austin Ratings.

Muitos fundos internacionais só aplicam seu dinheiro em empresas com “grau de investimento” em pelo menos duas agências de risco. Ou seja, diante do alerta e da dúvida, os investidores optam por “não pagar para ver”.

Rebaixamento do Brasil
A primeira agência internacional a tirar o “selo de bom pagador” do Brasil foi a Standard and Poor’s (S&P), em setembro de 2015. Em dezembro de 2015, foi a vez da Fitch, e em fevereiro de 2016, a Moody’s derrubou a nota do país em 2 degraus, a última a derrubar seu grau de investimento.

Como principal motivo para a ação, as agências apontaram a deterioração das contas públicas, o aumento do endividamento público e a preocupação com a retomada do crescimento da economia, já que o país atravessava uma queda no PIB e um déficit fiscal crescente.

O Brasil conquistou o grau de investimento pelas agências internacionais Fitch Ratings e Standard & Poor’s pela primeira vez em 2008. Em 2009, conseguiu a classificação pela Moody’s. Veja o histórico das notas de crédito do Brasil.

Com a perda do selo de bom pagador nas três agências, a perspectiva para uma reconquista do grau de investimento ficou ainda mais distante. Historicamente, países costumam levar cerca de 5 a 10 anos para recuperar o título.

Muitos fundos internacionais só aplicam seu dinheiro em empresas com “grau de investimento” em pelo menos duas agências de risco. Ou seja, o Brasil perdeu automaticamente parte dos recursos aplicados em títulos com regras mais rigorosas.

Por outro lado, aponta Marcatti, a piora do rating brasileiro (maior risco) não reduz necessariamente a atratividade do Brasil como investimento, especialmente em um momento em que o país ficou mais barato para o investidor.

Fonte: G1