Advogada venezuelana vira caixa em Roraima

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26/07/2016

O agravamento da crise econômica na Venezuela está fazendo com que dezenas de venezuelanos migrem para Roraima. Sem opções de trabalho, muitos deles se veem obrigados a mudar de carreira para arranjar emprego no Brasil e ajudar os familiares que continuam no país fronteiriço ao estado.

“Aqui a minha vida é muito diferente”, define a advogada venezuelana Carol Formaniak, que saiu de Ciudad Bolívar, a quase 1000 KM de Roraima, para viver em Boa Vista. No país natal, ela deixou para trás uma história de luta pelos direitos de crianças e mulheres e agora trabalha como operadora de caixa em um supermercado na zona Norte da capital.

Carol está entre os dezenas de venezuelanos que deixaram o país em busca de uma vida melhor. Conforme dados da Polícia Federal, só nos primeiros sete meses deste ano 493 venezuelanos pediram refúgio no estado. O número é 110% maior que os 234 pedidos recebidos ao longo de todo o ano de 2015.

Especialista em direitos humanos, a venezuelana conta que decidiu vir para o Brasil em outubro de 2015. À época, era diretora executiva de uma instituição voltada aos direitos das mulheres e ganhava o equivalente a cinco salários mínimos.

“Eu dava palestras em todo o estado, mas guardei todos os meus sonhos porque tenho filho e não queria que nós estivéssemos na Venezuela neste grave momento. A situação lá é muito crítica. Então, deixei minha casa para trás e vim embora para cá no dia 20 de outubro de 2015”, relembra Carol.

Apesar de ser filha de brasileiro e ter dupla nacionalidade, a advogada conta que enfrentou dificuldades para se empregar em Roraima. Inicialmente, ela tentou trabalhar como advogada, mas como não revalidou o diploma no Brasil, se viu obrigada a assumir a função de operadora de caixa.

“Primeiro, eu entregava meu currículo, com todas as especializações, cursos e experiências que tenho, mas depois de dois meses buscando trabalho, comecei a tirar tudo do meu currículo. Fiz isso chorando, mas foi a única maneira que consegui de achar o emprego que estou hoje”, conta.

No atual emprego, Carol ganha um salário mínimo que usa para sustentar a si, ao filho e para ajudar o marido que continua vivendo em Ciudad Bolívar. Mesmo com a formação em nível superior, garante que exerce o mesmo trabalho que as colegas de profissão.

“Não me sinto diferente das outras meninas que trabalham comigo. Não ganho a mais pelo que faço, mas estou em busca de outro trabalho. Eu não me rendo, estou lutando”, garante.

Assim como Carol, o venezuelano Reinier Salazar, de 30 anos, que morava em Puerto Ordaz, a mais de 800 KM de Roraima, também teve de mudar de carreira para se empregar em Boa Vista. Ele é formado em engenharia industrial pela Universidad Nacional Experimental de Guayana (Uneg), mas hoje trabalha como garçom em restaurantes da capital.

“A situação na Venezuela é muito crítica. Lá eu cheguei a trabalhar como engenheiro, mas não há condições de viver no país. Na Venezuela não tem comida e por mais que eu tenha emprego o dinheiro lá não dá para comprar coisas básicas como alimentos e produtos de higiene”, afirma Salazar que é casado com uma engenheira venezuelana que também está trabalhando como garçonete em Roraima.

Oportunidades de trabalho
Terra de mudanças para alguns e de crescimento profissional para outros, Boa Vista também foi escolhida como lar pelo chef de cozinha Julio Alejandro Marcono Pino, de 26 anos, e pela manicure Márcia Mata, de 40 anos. Ambos deixaram a Venezuela para buscar oportunidades de trabalho em Roraima.

“Vim aprender mais sobre a culinária da Amazônia, sobre os pratos daqui. Espero aprender tudo o que puder, e depois continuar viajando pelo Brasil. Na Venezuela eu não teria oportunidades como essa, porque lá não tem a matéria-prima do cozinheiro, que é a comida”, afirma.

As longas filas para comprar comida na Venezuela foram um fator determinante para a  manicure Márcia Mata se mudar para Roraima. Ela mora há sete meses na capital e conta que um dos motivos que a levaram pedir refúgio no Brasil foi o dia em que passou mais de 18 horas em uma fila para comprar açúcar, óleo e arroz.

“Sou da República Dominicana, mas morava na Venezuela desde muito pequena. Sempre vim a Boa Vista para buscar atendimento médico para o meu filho caçula, mas há sete meses decidi vir de vez para cá. Consegui emprego e o que ganho aqui dá para sustentar meu filho que veio morar comigo e ajudar minhas duas filhas e meu marido que continuam na Venezuela”, explica.

O G1 entrou em contato com a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em Roraima (SRTE/RR) para solicitar dados referentes a emissões de Carteiras de Trabalho a venezuelanos, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.

Refugiados
Dados divulgados pela PF mostram que os pedidos de refúgio de venezuelanos cresceu 110% em Roraima. Em 2015, a polícia recebeu 234 pedidos de refúgio, enquanto que só nos primeiros sete meses deste ano, recebeu 493 pedidos de venezuelanos que querem morar em Roraima.

Além dos pedidos legais, a PF tem percebido o aumento “sensível” de venezuelanos em situação ilegal em Roraima. Reflexo disto é que só nos últimos 12 meses, mais de 300 venezuelanos foram deportados do estado.

Em uma dessas ações, cerca de 60 venezuelanos foram devolvidos ao país vizinho. Parte deles pedia esmolas nas ruas e semáforos da capital roraimense, o que é incompatível com a entrada de estrangeiro do Brasil na condição de turista.

Em julho de 2015, a PF encontrou 16 mulheres venezuelanas trabalhando em casas de prostituição em Boa Vista. À época, a polícia informou que elas tinham vindo por conta própria a Roraima, onde se prostituiam e pagavam 20% do que ganhavam aos donos das casas.

Fonte: G1.