Manifesto da CNTC contrário à Proposta de Reforma da Previdência encaminhada por Michel Temer ao Congresso

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A função primeira de um sistema de Seguridade Social é garantir à população usuária e beneficiária condições dignas de sobrevivência. No Estado de bem-estar social, a Seguridade deve proteger os que não têm condições de propiciar o próprio sustento, e também àqueles que trabalharam e contribuíram ao longo da vida laboral. O Brasil, desde a Constituição de 1988, possui um mecanismo de proteção social que, apesar das dificuldades de gestão e manutenção, tem se mostrado capaz de proporcionar maior equidade entre grupos com desníveis de acesso a condições dignas de vida. Infelizmente, o frágil sistema brasileiro de Seguridade Social está ameaçado. Acontece que está em curso no Congresso Nacional uma proposta para dificultar e até mesmo inviabilizar o acesso à Previdência e à Seguridade no Brasil.

Diante disso, a Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio – CNTC, entidade que representa um contingente de mais de 12 milhões de trabalhadores e trabalhadoras, vem a público manifestar sua posição contrária e de reprovação à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016, enviada ao Congresso pelo Presidente da República, Michel Temer. A medida homogeiniza a população brasileira, como se todos vivessem um padrão de vida alto o suficiente para elevar os requisitos mínimos de concessão de aposentadoria, como idade mínima e tempo de contribuição, além de tratar homens e mulheres de forma equânime e trabalhadores urbanos e rurais em pé de igualdade.

Esse não é o Brasil em que vivemos! O Brasil real é caracterizado por contrastes em sua população. A desigualdade de renda, de acesso à saúde, à educação e a itens básicos de sobrevivência são imperativos que tornam complexa a atividade de extrair retratos fiéis das condições de vida médias da sociedade. No Brasil real convivemos intimamente com a concentração de renda, exclusão social e realidades regionais distintas. Segundo a reforma de Temer, o benefício a ser recebido com a aposentadoria jamais será integral. Além disso, a proposta requer idade mínima de 65 anos, com o mínimo de 25 anos de contribuição.

Jovens terão maior dificuldade de acesso ao emprego. A elevada idade mínima requerida, associada com a possibilidade de aumento do percentual do salário de benefício conforme o aumento do tempo de contribuição, fará com que o trabalhador deva permanecer muito mais tempo ocupando a vaga de trabalho para que consiga se aposentar de forma digna. Com isso, menos vagas estarão disponíveis, especialmente em tempos de recessão, e será criada toda uma geração que entrará tardiamente no mercado formal, e deverá trabalhar mais se quiser uma aposentadoria melhor. Ganham aqui a informalidade e os planos de previdência privada.

No Brasil real, especialmente entre os mais pobres, é alta a rotatividade entre emprego formal, desemprego e informalidade. Dados da RAIS de 2014 mostraram que a rotatividade no mercado brasileiro chegou a 62,8%. Tamanha descontinuidade laboral pode afetar os períodos contributivos do trabalhador e elevar o período necessário de contribuição mínima. Não estar contribuindo, não significa não estar trabalhando, o mercado informal prova isso. Atualmente, a maioria das pessoas se aposenta por idade justamente por não conseguir comprovar o período mínimo exigido de contribuição, que é de 15 anos. Com o aumento para 25 anos teremos uma explosão de idosos sem qualquer direito ou garantia. A aposentadoria pelo Regime Geral será para poucos.

A equiparação da idade mínima entre homens e mulheres, algo que ocorre em países como Dinamarca, Suécia, Finlândia e Japão, nada mais é do que outra excrescência da PEC 287/2016, que ignora todo o contexto social e histórico brasileiro. Não se pode ignorar que as tarefas domésticas, assim como os cuidados com familiares em situação de vulnerabilidade, são associados ao papel da mulher. Ainda não atingimos o mesmo nível de igualde de gênero do que países do norte da Europa. Ocorre que, da forma como consta na PEC, a desigualdade entre gêneros será elevada, na medida em que não reconhece o papel preponderante da mulher nas atividades domésticas. Ademais, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2014, demonstrou que o salário das mulheres foi 74,2% do que receberam os homens no Brasil. Ou seja, a reforma proposta por Temer recairá sobretudo sobre a mulheres, que deverão continuar a trabalhar mais, por mais tempo, sem resolver a questão da disparidade social e financeira com os homens.

Outro aspecto resultante da incapacidade de comprovação de tempo mínimo de contribuição será a adesão de idosos miseráveis ao Benefício de Prestação Continuada (BPC). Acontece que as regras impostas pela PEC 287 acabam por restringir o acesso ao BPC a idosos a partir de 70 anos e pessoas com deficiência. Como se não bastasse, há também a desvinculação com o salário mínimo. Isso significa em relegar uma grande parcela de idosos à pobreza e incapacidade de custear a própria sobrevivência.

Por outro lado, injustificadamente nenhuma contrapartida é proposta ao empregador, tampouco foram sugeridas mudanças nos mecanismos de remanejamento orçamentário, como é o caso da DRU, que atualmente permite a retirada de 30% dos recursos da seguridade social. O que o governo quer é que o suposto rombo previdenciário seja custeado totalmente às expensas dos direitos dos trabalhadores, sendo que muitos encontram dificuldades em conseguir completar os atuais 15 anos mínimos de contribuição.

Diante da progressiva elevação da expectativa de vida da população brasileira, fruto justamente do adensamento de políticas sociais, entendemos que as reformas devem ocorrer no sentido de garantir a sustentabilidade do sistema, porém também a qualidade da prestação de serviços e segurança na capacidade de transferência de benefícios. Isso significa que as reformas empreendidas não podem custar na redução da qualidade de vida da população, tampouco a restrição do acesso à seguridade Social.

Parlamentar, vamos dialogar para preservar direitos e expandir o Estado de bem-estar social brasileiro. O sacrifício do trabalhador não pode ser a solução unívoca para os males da economia do Brasil.

Não ao desmantelamento da Previdência pública!

Levi Fernandes Pinto

Presidente da CNTC