O negócio das apostas é simples de entender. De um lado, está o povo — milhões de brasileiros tentando a sorte e buscando um ganho rápido. Do outro, as casas de apostas, as chamadas bets, que crescem como um novo fenômeno de massa. O mecanismo é direto: a população envia dinheiro para essas plataformas, que devolvem uma parte em prêmios e ficam com o restante.
No Brasil, estima-se que os apostadores tenham colocado cerca de R$ 120 bilhões nas bets em apenas um ano. Desse total, as plataformas devolveram aproximadamente R$ 90 bilhões em prêmios. O resultado é cruel: R$ 30 bilhões foram perdidos pela população — dinheiro que saiu do bolso de quem trabalha e foi parar nas mãos das casas de apostas.
Para se ter uma ideia, R$ 30 bilhões equivalem a mais do que o País gasta, por ano, com arroz, feijão ou material escolar. É uma fortuna que some do orçamento das famílias brasileiras.
O governo, por sua vez, comemora uma arrecadação de R$ 3 bilhões em impostos sobre o setor. Mas a matemática é imoral: o povo perde R$ 30 bilhões, o governo recolhe R$ 3 bilhões e R$ 27 bilhões ficam nas mãos das plataformas — muitas delas sediadas fora do País. Enquanto o Estado celebra a arrecadação, é o trabalhador quem financia tanto o lucro das bets quanto o caixa público.
O caminho não é fingir que o país está ganhando. O caminho é regular o setor com responsabilidade, proteger a população e impedir que o dinheiro dos pobres continue financiando o crime organizado e a dependência social.
Sociedade já entende o risco — e quer limites. Os brasileiros estão acordando para o problema. Uma pesquisa nacional do Instituto Ipespe, com apoio da Febraban e da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), revela que quatro em cada dez famílias têm alguém que aposta em sites de apostas esportivas online. Apesar da popularidade, 57% dos entrevistados avaliam negativamente essas plataformas e 85% dizem não confiar nelas.
O levantamento, realizado entre 15 e 23 de outubro de 2024 com 2 mil pessoas em todo o País, mostra que 59% dos brasileiros são contra as apostas esportivas e 66% defendem a proibição de propaganda das bets, nos mesmos moldes das restrições aplicadas a cigarros e bebidas alcoólicas.
Os dados também revelam o impacto social do vício em apostas:
1) 56% dos apostadores dizem que o dinheiro gasto faz falta no fim do mês; 2) 53% têm medo de se endividar; 3) 40% já contraíram dívidas por causa do jogo; e 4) 36% precisaram pedir dinheiro emprestado para cobrir prejuízos.
O efeito dominó atinge o lar: 37% cortaram alimentação, 36% atrasaram contas básicas e 32% reduziram gastos com saúde e medicamentos. Além disso, 79% das transações com bets são feitas via Pix, o que levanta a necessidade urgente de regras claras de proteção ao usuário no sistema financeiro.
O erro de cálculo do governo. Foi lamentável a recente entrevista do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao defender o novo projeto de tributação das casas de apostas. O governo não vai tributar as bets — vai tributar os jogadores, porque as plataformas repassarão a cobrança aos usuários.
As bets não produzem riqueza; vivem das perdas das pessoas. Parte mínima volta em prêmios, mas a “banca nunca perde”. Ou seja, quem paga a conta é sempre o apostador. O ministro, ao afirmar que o imposto servirá para financiar o tratamento de pessoas viciadas, admite que o jogo faz mal, vicia e destrói vidas, mas, mesmo assim, o utiliza como fonte de arrecadação.
O próprio Banco Central confirma a gravidade da situação. Em agosto de 2024, 24 milhões de pessoas físicas fizeram pelo menos uma transferência via Pix para empresas de apostas. A maioria tem entre 20 e 30 anos, e o valor médio mensal varia de R$ 100 a R$ 3 mil.
Mais alarmante ainda: 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família enviaram R$ 3 bilhões às bets no período analisado. Famílias que deveriam receber apoio do Estado estão, na prática, transferindo recursos públicos para plataformas privadas de jogo.
Diante desses dados, é impossível defender o discurso de que a tributação resolverá o problema. Não se corrige a doença arrecadando sobre ela.
Regular é proteger. O Brasil precisa decidir de que lado está: do lado do povo que perde ou do lado das bets que lucram com o desespero. Não se trata de moralismo, mas de responsabilidade social e econômica. O Estado não pode financiar seu Orçamento com a desgraça da própria população.
O que está em jogo não é apenas o dinheiro perdido, mas a integridade social, a saúde mental e a segurança econômica das famílias brasileiras.
Enquanto o governo enxergar nas apostas uma fonte de receita — e não um problema de saúde pública e segurança —, continuará jogando contra o seu próprio povo.
Opinião por Lourival Figueiredo Melo
Dirigente sindical, presidente da Federação dos Empregados de Agentes Autônomos do Comércio do Estado de SP (FEAAC), é secretário-Geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio (CNTC)
Leia no Estadão: https://www.estadao.com.br/opiniao/espaco-aberto/apostas-online-quando-o-lucro-do-governo-nasce-da-perda-do-povo/?srsltid=AfmBOooVhTrygVFa-dmX8seLXOEZkpksWp50baz8TLHx3Ma36FcdI2_T


