Desperdício de água é o triplo do razoável em 40 das 100 maiores cidades do país

Imprimir    A-    A    A+

27/08/2014

Em época de escassez hídrica, levantamento inédito do Instituto Trata Brasil aponta que 40 das cem maiores cidades brasileiras desperdiçaram, em 2012, mais de 45% da água tratada. E vai além: entre 2011 e 2012, 90% dos municípios apresentaram evolução nula ou menor que 10%. Segundo o Ministério das Cidades, que reúne os dados do setor, a média brasileira de perdas de água — que inclui desde vazamentos até gatos e falha ou falta de medição — é de 36,9%. Especialistas, no entanto, dizem que o razoável seria até 15%.

— É inadmissível e esse resultado tem que ser encarado com austeridade. É necessário um esforço para reduzir as perdas. Por exemplo, o que o Rio Guandu desperdiça, cerca de 40% de 50m³ por segundo, daria para evitar alguns problemas que a seca traz, e bastava reduzir em 50% esta perda — explica Paulo Canedo, coordenador do laboratório de Hidrologia da Coppe/UFRJ.

Publicado desde 2007, o Ranking do Saneamento Básico nas 100 Maiores Cidades utiliza dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) 2012 e apresenta os avanços e os desafios em água e esgoto nesses municípios.

— O estudo mostra que os maiores avanços estão nas cidades que já estavam bem. Para se ter um ideia, o governo federal investe em média R$ 9,7 bilhões por ano. Mas R$ 6,3 bilhões estão em cinco estados: Rio, São Paulo, Minas, Bahia e Rio Grande do Sul. O que sobra é para os outros e o DF — explica Édison Carlos, presidente-executivo do Trata Brasil: — No país, saneamento ainda anda muito devagar.

VAZAMENTOS CONSTANTES

Morador de Recife, que no levantamento aparece como uma das cidades com maior desperdício de água — 62,03% de perdas de faturamento e 59,85%, na distribuição —, o estudante Benjamim Alves Neto, de 22 anos, convive com um vazamento de água na Rua Roberto Silveira.

— É constante esse desperdício. Em setembro de 2013, a Compesa (Companhia Pernambucana de Saneamento) veio e fez o serviço, mas meses depois continua vazando. E o fornecimento é dia sim, dia não.

Publicidade

Em Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana do Recife, que apresenta mais de 60% de perda e em 2012 tinha pouco mais da metade da população — 55,29% — com atendimento de água, José Ailton do Nascimento, de 47 anos, trabalha em frente a um vazamento que se mistura com o esgoto no bairro Piedade.

— O cheiro é insuportável em alguns momentos. Eu e meus vizinhos já procuramos a Compesa e temos vários protocolos de atendimento. Os funcionários até vieram, mas disseram que não possuem os equipamentos corretos para os reparos — diz Nascimento, lembrando que o problema já se arrasta por um ano.

Em relação ao tratamento de esgoto, o Trata Brasil mostra que, em 2012, menos de 20% da população de 28 municípios tinham acesso ao serviço. Belém, Cuiabá e Porto Velho são as capitais que se enquadram nessa categoria. Cidades da Baixada Fluminense, no Rio, Nova Iguaçu e São João de Meriti tratavam 0,4% e 0%, respectivamente.

Na coleta, 80% dos habitantes de 39 cidades contam com o serviço, mas capitais como Teresina, Porto Velho, Belém e Macapá estão entre as que o acesso é para menos de 20% da população.

— Esses números podem estar acima do real. Entendem como coleta ter o cano na rua. Mas ter o cano não significa que existe coleta. O ideal era termos indicadores verdadeiros, que mostrassem o que funciona, e que cada cidade, cada Região Metropolitana tivesse metas a cumprir — diz Canedo.

META DISTANTE

O Trata Brasil também apontou nesta edição quantas das 20 piores cidades entre as cem analisadas serão capazes de universalizar o saneamento em 2033, meta estabelecida pelo governo federal. Segundo o estudo, apenas Manaus cumpriria a meta. As outras 19, incluindo capitais como Natal, Macapá, Belém, Teresina e Porto Velho, se mantiverem a média em coleta/tratamento de esgoto de 2008 a 2012, não atingirão a universalização.

— Não é só falta de recurso que não faz avançar, é falta de projeto. Os investimentos têm sido feitos, mas não no ritmo que o Brasil precisa — diz Édison Carlos, que defende que o governo federal deixe de repassar recursos se as metas não forem cumpridas pelos prefeitos e governadores: — A maior parte das autoridades sabe que saneamento é importante, mas muitas vezes valoriza o que é visível. Quando o PAC 1 for finalizado, daremos um salto, mas ainda há lentidão. E o PAC 2, em dezembro de 2013, ainda tinha a maior parte das obras paradas.

De acordo com o Ministério das Cidades, “no último triênio (entre 2011 e 2013) foram desembolsados R$ 25,5 bilhões em iniciativas de saneamento, equivalentes a valores médios de R$ 8,5 bilhões por ano. Em 2014, até o final do 1º semestre, já foram desembolsados R$ 4,3 bilhões”. O Ministério informa ainda que “o índice de coleta de esgotos com redes é de 48,3% e que o índice de tratamento dos esgotos avançou de 37,5% em 2011 para 38,7%, em 2012. Sobre as perdas de água, “de 2006 a 2012, o índice passou de 43,8% para 36,9%“.

Procurada pela reportagem, a Compesa não respondeu até o fechamento desta edição.

Fonte: O Globo.