Dois milhões de jovens em risco

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21/03/2014

Segundo as estimativas do IBGE, em 2012 havia cerca de 29 milhões de jovens entre 15 a 24 anos de idade no Brasil. Dentre eles, 40% tinham terminado o ensino fundamental, 27% concluíram o ensino médio e cerca de 10% estavam na faculdade. O problema é que dois milhões desses jovens ainda não haviam concluído o primeiro ciclo do ensino fundamental com essa idade. Além disso, 630 mil jovens não chegaram a completar um ano completo de estudo, ou seja, nem mesmo a primeira série. Ou seja, em pleno século XXI, após todos os avanços que tivemos em termos de acesso à educação no Brasil, uma parcela substancial dos nossos jovens não está conseguindo avançar na escola. Quem são esses jovens? O que fazem? O que os espera no futuro?

Os dados mostram que 64% desses dois milhões de jovens estão no Norte/Nordeste e 36% nas demais regiões do país, sendo que 66% deles vivem em áreas urbanas. A renda familiar desses jovens é de R$ 1200 por mês, com renda familiar per capita de R$ 320 (38% da renda média do país). Ou seja, grande parte desses jovens está em famílias pobres, mas não extremamente pobres. Interessante notar que há famílias com renda mensal acima de R$ 2 mil que têm filhos que ainda não atingiram a 5ª série aos 15 anos de idade.

Dentre esses jovens, 63% são homens, 39% só trabalham, 20% só estudam, 12% estudam e trabalham e 29% nem estudam nem trabalham. A renda média desses jovens que estudam e que trabalham era R$ 460 e a dos que só trabalham era R$ 590. Vale lembrar que o salário mínimo em 2012 era R$ 622. Ou seja, eles trabalham para ganhar pouco.

Saneamento e escola pública com qualidade são indispensáveis. Esse deve ser o futuro do Bolsa-Família

O que os aguarda? Podemos prever que esses jovens enfrentarão grandes dificuldades no futuro. Somente 32% deles ainda frequentavam a escola, mas provavelmente não irão muito longe nos estudos. Os demais já haviam desistido. O salário médio de adultos com até 4 anos de escolaridade hoje em dia é R$ 788. Por outro lado, o salário médio dos adultos com ensino médio é de R$ 1300 e com ensino superior, de R$ 3 mil. Ou seja, cada um desses jovens está perdendo cerca de R$ 500 por mês pelo resto da vida por não concluir o ensino médio. A taxa de não participação no mercado de trabalho entre os adultos com pouca escolaridade é de 26%, contra 9% entre os que têm ensino superior. Isso aumenta os gastos com seguro desemprego (para os que já trabalharam) e com programas de qualificação do trabalhador.

O país perde muito com isso. Em primeiro lugar, porque esses jovens poderiam contribuir mais para o país, com o aumento de produtividade e talento que vem da maior educação. Além disso, sabemos que pessoas com maior escolaridade cuidam mais da saúde, do meio ambiente e votam melhor. Mais ainda, há o risco de que parte desses jovens acabe atraída para a criminalidade, tendo em vista as poucas perspectivas no mercado de trabalho e a sensação de impunidade que prevalece no país. Caso somente 1% desses jovens entrassem na criminalidade, seriam 20 mil jovens que, se cometessem um crime por semana, provocariam mais de 1 milhão de novos crimes todos os anos. Muitos desses morreriam antes de completar 30 anos. Grande parte desses custos poderiam ser evitados se conseguíssemos reter esses 2 milhões de jovens por mais tempo na escola.

O que podemos fazer para conseguir isso? Está claro que a política pública deve começar nos primeiros anos de vida da criança. Hoje sabemos, por meio das pesquisas em neurociências, que o desenvolvimento infantil saudável é condição necessária para o aprendizado futuro. É nos primeiros anos de vida que são desenvolvidas as habilidades cognitivas que facilitarão todo o processo de aprendizado futuro. Além disso, essas habilidades interagem com as habilidades não cognitivas, tais como estabilidade emocional, extroversão, perseverança e motivação, que são fundamentais para que os jovens permaneçam na escola, apesar das dificuldades e da baixa qualidade da escola pública brasileira.

Hoje em dia, o Brasil tem programas sociais muito bem sucedidos, que chegam às famílias mais pobres, como o Bolsa Família e o Saúde na Família. Pesquisas mostram que esses programas conseguiram reduzir bastante a mortalidade infantil nos municípios em que a cobertura foi maior, especialmente devido à redução dos casos de desnutrição, diarreia e infecções respiratórias1. Entretanto, é preciso ir além. Além da sobrevivência, é necessário fazer com que as crianças tenham um desenvolvimento saudável, ou seja, que suas capacidades cognitivas e não cognitivas se desenvolvam no ritmo adequado.

Para isso, é necessário evitar que a criança enfrente situações de estresse prolongado nos primeiros anos de vida e, mais ainda, que haja um processo de interação saudável entre as crianças e os adultos que as cercam. Isso, infelizmente, parece não estar ocorrendo em grande parte das famílias brasileiras. Assim, é necessário utilizar o cadastro social único para visitar as famílias e mensurar o que de fato está acontecendo com as crianças (através de testes cientificamente aceitos e validados) e direcioná-las para especialistas em caso de problemas. Além disso, é necessário ensinar as mães e avós a interagir de forma saudável com elas. Por fim, saneamento básico e escola pública com qualidade são indispensáveis. Esse deve ser o futuro do Bolsa-Família.

Vários ramos da ciência moderna têm convergido para a necessidade de concentrar os recursos públicos nos primeiros anos de vida das pessoas. Está na hora dos políticos e gestores também caminharem nessa direção.

Naercio Menezes Filho, professor titular – Cátedra IFB e coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, é professor associado da FEA-USP e escreve mensalmente às sextas-feiras. naercioamf@insper.edu.br

Fonte: Valor Econômico.