Primeira infância saudável = atendimento integral

Imprimir    A-    A    A+

20/11/2013

Sou brasileira, mãe, psicóloga clínica e professora na área da primeira infância e da parentalidade na França, onde vivo há 19 anos. Porém, nunca me distanciei do Brasil, onde cresci e me formei, e onde vive minha família, que visito ao menos uma vez por ano. Por quatro anos tenho participado como conferencista das Semanas de Valorização da Primeira Infância e Cultura da Paz, no Senado Federal, e volto para a 6ª edição, de 18 a 21 de novembro. Ainda que diferenças culturais devam ser ressaltadas e respeitadas, trago uma comparação entre esses dois países que creio valer a pena comentar.

Na França, o cuidado com a primeira infância se organiza em torno de redes multidisciplinares perinatais e de primeira infância, que oferecem cuidados médicos e psicológicos da gestação até os 6 anos, com atendimentos, visitas em domicílio, grupos para pais e locais de encontro abertos e gratuitos para pais e filhos. A coordenação dos cuidados básicos, necessariamente integrais nesta área, é central no dispositivo francês. Cada setor tem seu grupo de profissionais, que se conhecem e acompanham as famílias desde o pré-natal até o fim da primeira infância.

Grande ênfase é dada à prevenção. Enfermeiras puericultoras assumem papel fundamental ao realizar visitas em domicílio em função das necessidades de cada família. Elas têm formação e supervisão no desenvolvimento infantil e na detecção das dificuldades parentais e infantis e asseguram a orientação e o encaminhamento da família até os serviços especializados, se necessário. As situações comportando riscos (médicos ou psicológicos) são assinaladas em reuniões semanais ou mensais. Existem também equipes móveis, que se deslocam para onde são detectadas situações de risco, fazendo visitas, inclusive no meio rural. Isso mostra a importância que se dá ao desenvolvimento integral e à preservação da saúde, tanto dos pais quanto dos filhos.

O período perinatal e a primeira infância são momentos ideais para ações de prevenção em saúde física e mental dirigidas não somente à criança, mas a todo o grupo familiar. A saúde nos primeiros anos de vida constitui ítem prioritário em matéria de saúde pública, podendo as falhas ter custos importantes e prolongados para a sociedade. Mas não basta somente identificar riscos e dificuldades, deve-se desenvolver estruturas dedicadas à primeira infância, capacitadas para prevenir, identificar e tratar as dificuldades da criança e de seus pais. Para tanto, é indispensável que profissionais de saúde sejam bem formados e supervisionados para detectar e orientar crianças e famílias em dificuldade.

Na França, crê-se que limites aplicados de forma coerente fazem as crianças se sentirem seguras e protegidas e isso começa com a segurança física e psicológica assegurada pela família e pelo Estado. Já no Brasil, essa proteção parece ainda uma meta distante de ser atingida. Ainda não existe uma política que garanta os cuidados básicos necessários ao bom desenvolvimento psicossocial da criança. A educação básica apresenta lacunas em vários aspectos e a saúde pública muitas vezes ignora a profilaxia e a prevenção. Tenho também participado das audiências públicas conjuntas na Comissão de Educação durante as Semanas de Valorização da Primeira Infância e Cultura da Paz, no Senado, e percebo que o quorum de congressistas é sempre muito baixo, quando deveria ser, a meu ver, obrigação. Afinal, é a oportunidade real de se discutir com afinco a questão da prevenção com ação direta nas crianças.

Já se sabe que as raízes da violência estão na primeira infância. Maus-tratos e carências sofridos nesses primeiros anos e problemas enfrentados pela mãe na gravidez podem repercutir anos mais tarde. Como no dito popular, “cortar o mal pela raíz” é sempre a solução, pois mais tarde só restará a punição. É preciso investir em especial nessa fase da vida para não ter de gastar em presídios depois. Uma nota positiva é o PIM (Primeira Infância Melhor) no Rio Grande do Sul, que realiza com a área de saúde um programa de profilaxia, acompanhando as famílias nos cuidados básicos com as crianças, dando suporte às mães nessa fase em que a depressão materna é um fato real, atingindo até 20% das mulheres.

O acompanhamento integral da família no período perinatal e na primeira infância não é uma meta ilusória, mas exige investimento por parte dos profissionais e dos atores do poder público para que possa se disseminar e deixar frutos para as gerações futuras.

Fonte: Correio Braziliense