Uso indiscriminado do banco de horas amplia jornadas e fragiliza direitos, tornando urgente o debate sobre redução da jornada e revogação do artigo 59 da CLT.
O debate sobre a redução da jornada de trabalho no Brasil é urgente e necessário. Mais do que uma pauta econômica, trata-se de uma questão social que envolve o equilíbrio entre trabalho, família e qualidade de vida - aspectos que, infelizmente, grande parte do setor empresarial insiste em ignorar.
A Constituição Federal estabelece jornada máxima de 44 horas semanais e 8 horas diárias. No entanto, com o surgimento do chamado banco de horas, esse limite vem sendo sistematicamente ultrapassado. O instrumento, que deveria ser uma solução temporária para momentos de crise, passou a ser utilizado de forma permanente, em prejuízo dos trabalhadores.
Originalmente, o banco de horas foi concebido para preservar empregos em períodos de queda na produção ou nas vendas, permitindo a redução da jornada ou até a suspensão temporária do trabalho, com a compensação posterior das horas não trabalhadas. Passada a crise, o trabalhador devolveria essas horas em dias de maior demanda, sem perda salarial.
No entanto, o que se vê hoje é uma distorção completa dessa lógica. Empresas passaram a usar o banco de horas como mecanismo de supressão do pagamento de horas extras, exigindo que os empregados trabalhem até duas horas a mais por dia, sem qualquer remuneração adicional. Pior: cabe exclusivamente ao empregador decidir quando o trabalhador poderá "folgar" essas horas, muitas vezes sem aviso prévio ou critérios claros.
Há casos em que o empregado chega ao local de trabalho e é mandado de volta para casa sob a justificativa de que possui saldo de horas acumuladas. Isso significa que o trabalhador é tratado como mercadoria - utilizado conforme a conveniência da empresa, sem direito a uma compensação justa ou previsível.
Essa situação se agravou com a chamada "reforma trabalhista" de 2017, que ampliou a possibilidade de adoção do banco de horas por meio de acordos individuais, sem a intermediação sindical. O §5º e o §6º do artigo 59 da CLT, incluídos pela Lei nº 13.467/2017, permitem que a compensação de jornada seja pactuada diretamente entre empregador e empregado, fragilizando ainda mais a proteção do trabalhador.
Na prática, isso significa que, já no momento da contratação, o empregado é coagido a assinar um termo de adesão ao banco de horas - condição imposta para conseguir o emprego. O resultado é uma jornada que chega facilmente a 10 horas diárias e 50 horas semanais, uma das mais longas do mundo.
Felizmente, há exceções. Algumas empresas, comprometidas com a legalidade e o diálogo social, buscam os sindicatos para firmar acordos equilibrados, garantindo transparência e segurança jurídica às partes. Contudo, essa ainda não é a regra.
Por isso, a discussão sobre redução da jornada de trabalho deve vir acompanhada da revogação do artigo 59 da CLT e de todos os seus parágrafos relacionados ao banco de horas. Caso contrário, o instrumento continuará sendo utilizado como brecha para prolongar o tempo de trabalho, aumentar os lucros empresariais e sacrificar o direito ao descanso.
Nossa proposta é clara: redução da jornada de trabalho com o fim do banco de horas. E, quando houver necessidade de horas extras, que sejam limitadas a no máximo duas horas diárias, com pagamento acrescido de, no mínimo, 50%, conforme determina a legislação.
Chegou a hora de dar um basta à lógica de que trabalhador é custo. O trabalhador é a força que movimenta o país - e merece ser tratado com dignidade.
Sim à redução da jornada. Não ao banco de horas.
Lourival Figueiredo Melo é secretário-geral da CNTC (Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio) e diretor-presidente da Feaac (Federação dos Empregados de Agentes Autônomos do Comércio de São Paulo).


