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O que houve?

A comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal (CDH) realizou audiência pública nesta 3ª feira (02/02) destinada a tratar sobre o combate ao trabalho escravo. O encontro representou mais uma mobilização contrária ao Projeto de Lei do Senado (PLS) 432/2013, que regulamenta a Emenda à Constituição nº 81, dispondo sobre a punição em caso de detecção de trabalho escravo, porém não considera o trabalho em condições degradantes como exploração de mão de obra escrava. Em função disso, a matéria recebe oposição de todos os setores e entidades em defesa do trabalhador.

O projeto tramita em regime de urgência e encontra-se no Plenário do Senado, onde o relator é o senador Romero Jucá (PMDB-RR). A matéria não consta na pauta de votações desta semana.

Destaques

A audiência contou com a presença do ativista indiano Kailash Satyarthi, vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 2014 em função da sua atuação no resgate de pessoas em condição de escravidão, especialmente crianças.

Satyarthi pregou que a liberdade não pode ser negociada e que tem certeza que o Brasil não irá retroceder na legislação que protege o trabalhador da submissão a condições análogas ao trabalho escravo. Para ele, o tráfico de pessoas e a escravidão são alimentados pelo incremento da comercialização e privatização de vários meios de consumo e de produção. Isso é o que estaria alimentando o aumento tráfico de pessoas em vários países.

Foi defendido pelo ativista que é preciso incrementar investimentos em educação associados à mobilização dos movimentos sociais e políticos. Ele cobrou que todo o sistema seja responsabilizado pelos casos de submissão a condições análogas à escravidão, e comentou que quando a punição é baixa a sensação de impunidade contamina todas as conquistas alcançadas.

Participaram da audiência membros do Poder Judiciário; Ministério Público; Ministério do Trabalho; e Centrais Sindicais.

Encaminhamentos

A audiência resultou nos seguintes encaminhamentos:

  • Realização de audiências públicas nos Estados para tratar do PLS 432/2013;
  • Alteração do despacho do projeto para que ele saia do Plenário da Casa e retorne a ser apreciado pelas comissões temáticas;
  • Acordo com o relator do projeto, senador Romero Jucá (PMDB-RR), para que o trabalho degradante seja incluído como condição que configure em analogia ao trabalho escravo.

Na manhã da próxima 4ª feira (03/02) haverá um encontro entre Kailash Satyarthi e o senador Paim (PT-RS) com o Presidente do Senado Federal, Renan Calheiros (PMDB-AL).

Demais participações

Cabe destacar que participaram da audiência:

  • Lélio Bentes Corrêa, Ministro do Tribunal Superior do Trabalho e Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, clamou pela ratificação pelo Brasil da Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) nº 29 sobre o trabalho forçado. Ele ressaltou que o trabalho escravo e o tráfico de pessoas são os fenômenos mais aviltantes que ocorrem na humanidade. O ministro afirmou que os lucros extraídos às custas da dignidade alheia são exorbitantes, da ordem de 150 bilhões de dólares por ano e que se o trabalho escravo fosse atividade uma econômica seria a 3ª mais rentável do mundo. Por isso é imprescindível que se proceda ao combate sem trégua. Segundo ele, uma das características do fenômeno é sua mutação. Vinte anos atrás o trabalho escravo era algo exclusivamente do campo, porém recentemente constata-se que esse modo de exploração contamina igualmente os grandes centros urbanos, sobretudo nas indústrias têxtil e calçadista. O ministro Lélio ainda completou que se é preciso algo para combater o trabalho escravo deve-se cumprir a lei brasileira, principalmente o art. 149 do código penal, que estabelece a pena para quem reduz alguém a condição análoga à de escravo. O dispositivo foi fundamental para que nos últimos 15 anos a fiscalização do trabalho tenha obtido êxito no resgate de pessoas em situação análogas ao trabalho escravo.
  • Hugo Cavalcanti Melo Filho, juiz e membro da Associação Latino-Americana de Juízes do Trabalho (ALJT) também criticou o PLS 432/2013 e a retirada do trabalho degradante como trabalho escravo. Criticou o relatório do senador Romero Jucá e defendeu que haja audiências públicas por todo o país. Classificou a matéria como um retrocesso e como inconstitucionais.
  • Luiz Antônio Colussi, diretor de Assuntos Legislativos da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), elogiou a atuação conjunta da Justiça, do Ministério Público e do Ministério do Trabalho na mobilização contra as investidas em desfavor da classe trabalhadora.
  • Ronaldo Fleury, Procurador-Geral do Trabalho (MPT), comentou a evolução do Brasil de país escravocrata para uma referência no combate ao trabalho escravo. Segundo ele, vive-se a perspectiva de voltar a ser uma referência negativa com a aprovação do PLS 432/2013.
  • Leonardo Sakamoto, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão, chamou atenção para que seja adotada uma política de fazer com que as pessoas se sintam próximas ao problema e reflitam sobre o seu pior dia de trabalho e o comparem com o das pessoas em situação análoga à escravidão.
  • Padre Ricardo Rezende, membro fundador do Movimento Humanos Direitos (MHuD) citou o que chamou de mudança substancial ao longo do tempo entre o período de 1995 a 2014. Até 1995, segundo ele, a prática corriqueira da escravidão no Brasil era acompanhada pela violência seguida de assassinatos. Já a partir de 1995, houve melhora principalmente em função do Ministério do Trabalho e Emprego que intensificou a fiscalização. Para o padre, hoje a violência física é a exceção.

Parlamentares presentes

Na reunião, estiveram presentes os seguintes senadores e senadoras: Paulo Paim (PT-RS); Paulo Rocha (PT-PA); Cristovam Buarque (PDT-DF); Fátima Bezerra (PT-RN), Wellington Fagundes (PR-MT); Regina Sousa (PT-PI); e José Medeiros (PPS-MT).

Entre eles destacaram-se

  • Senadora Regina Sousa (PT-PI) comentou que há no Congresso Nacional um ataque sistemático à liberdade sindical e tentativa de restrição de direitos trabalhistas. Nesse sentido, a Comissão de Direitos Humanos deverá atuar de forma ativa no sentido de mostrar os abusos e não permitir que a pauta negativa siga adiante.
  • Senador Paulo Paim (PT-RS) recebeu a notícia de que mediante a repercussão da audiência o PLS 432/2013 já havia sido retirado da pauta do Plenário.
  • Senado Paulo Rocha (PT-PA) parabenizou o senador Paim pela vigilância quanto ao PLS 432/2013 e clamou que sejam pressionados o presidente do Senado, Renan Calheiros, e o relator, Romero Jucá, porque os avanços conquistados na defesa do trabalhador foram graças à mobilização da sociedade.
  • Senador Wellington Fagundes (PR-MT) Parabenizou o senador Paim pela audiência e relatou sua participação em evento no Chile sobre o futuro. Ele sustentou que a comissão fosse feita em conjunto com a Comissão Senado do Futuro. Haverá um evento em conjunto ainda este ano e Kailash estará dentro.
  • Senador Cristovam Buarque (PDT-DF) destacou que a legislação brasileira está ameaçada pelo PLS 432/2013 e pediu que a matéria tramitasse diretamente em cada Comissão da Casa. Em suas palavras, não se pode permitir que o Brasil, que foi o último país a abolir a escravidão, aprove este retrocesso.

 

 

Victor Velu Fonseca Zaiden Soares – Relações Institucionais da CNTC

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