As manifestações e o trabalho

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19/07/2013

O Brasil tem convivido com manifestações nas ruas que pegaram de surpresa os políticos e a opinião pública em geral. Vários analistas vêm tentando entender o porquê desse movimento, que surgiu num momento em que o governo Dilma vinha obtendo recordes de aprovação. Alguns desses analistas sublinharam que o esgotamento do modelo econômico vigente, com o recrudescimento da inflação e o crescimento reduzido do PIB, seria o pano de fundo para as manifestações, fazendo dos aumentos das tarifas de ônibus a faísca que inflamou o movimento. Até que ponto a situação econômica foi mesmo responsável por essa comoção social? Será que os ganhos do mercado de trabalho realmente chegaram ao fim?

Segundo pesquisa do Datafolha, a maior parte dos manifestantes era jovem, com ensino médio ou superior, sem ligação com partidos políticos ou entidades de classe. Assim, para verificar se o fator econômico foi mesmo importante, nada melhor do que analisar o desempenho recente do mercado de trabalho para esse grupo demográfico. Na verdade, os dados das Pesquisas Mensais de Emprego do IBGE mostram que a situação dos jovens está melhor do que nunca. A figura abaixo mostra que no último triênio (maio de 2010 a maio de 2013) os ganhos salariais dos mais jovens foram maiores que nos períodos anteriores e maiores que os dos adultos no mesmo período. O salário dos jovens não qualificados (18 a 35 anos de idade, sem ensino fundamental completo) nas regiões metropolitanas aumentou cerca de 3% ao ano entre 2004 e 2007, 4,4% entre 2007 e 2010 e 5,4% entre 2010 e 2013. Vale notar que esses são ganhos reais, ou seja, as perdas decorrentes da inflação já estão descontadas.

Recuperação econômica não acalmará as massas porque elas não foram às ruas motivadas por sua situação econômica

Já o salário dos jovens com ensino médio ou superior (preponderante nas manifestações) cresceu menos de 1% ao ano entre 2004 e 2007, 2,6% entre 2007 e 2010 e 3,7% entre 2010 e 2013. Ou seja, o período imediatamente anterior ao início das manifestações foi o de maior crescimento salarial dos jovens educados nos últimos anos. Para comparação, a figura mostra também o crescimento salarial dos adultos (36 a 60 anos) no mesmo período. Podemos notar que o crescimento salarial dos adultos menos qualificados (EF) foi bastante elevado, atingindo 4,4% no último triênio. Os adultos com nível médio ou superior (ES), por sua vez, foram os que menos ganharam, com crescimento salarial de apenas 3% no período como um todo. Por isso a desigualdade de renda tem declinado no país.

Mas porque o crescimento salarial dos mais jovens foi sempre superior ao dos adultos, para os dois grupos educacionais? A queda nas taxas de fertilidade das mulheres ocorrida nos anos 60 fez com que número de jovens na população brasileira esteja diminuindo pela primeira vez na história, o que beneficia aqueles que estão entrando agora no mercado de trabalho. Além disso, como o crescimento recente está sendo liderado pelo setor de serviços, que emprega intensivamente trabalhadores menos qualificados, o crescimento salarial é maior entre os menos qualificados, para os dois grupos etários. Não é à toa que muitos jovens estão deixando a escola para ingressar no mercado de trabalho!

A situação em termos de desemprego também é bastante favorável. A taxa de desemprego dos jovens com ensino médio ou superior declinou de 13,5% em 2007 para 10% em 2010 e apenas 7,8% em maio de 2013. Os adultos estão em pleno emprego, com taxa de desemprego de 3,2% nas regiões metropolitanas. Mas, se a situação dos jovens no mercado de trabalho está melhor do que nunca, o que provocou as manifestações?

Todos sabemos que a qualidade dos serviços prestados pelo setor público é sofrível. A classe média alta há tempos abandonou as escolas e os hospitais públicos. Apesar dos progressos obtidos nos últimos vinte anos com a inclusão dos jovens na escola, programas de transferência de renda e cuidados com a saúde básica, a gestão dos sistemas educacionais e hospitais nos Estados e municípios continua péssima. Além disso, muitos jovens são assaltados todos os dias nas grandes cidades e o transporte público é caótico.

Nesse contexto, a revolta da população é compreensível, especialmente tendo em vista o comportamento extrativista dos membros do Legislativo, Executivo e Judiciário, além dos movimentos corporativistas, que só querem extrair mais benefícios para suas categorias às custas da população como um todo. Mas, porque a reação aconteceu justamente agora? Não sabemos ainda, mas como não foram motivadas por sua situação econômica, as massas não devem se acalmar com uma eventual recuperação da economia.

Naercio Menezes Filho, professor titular – Cátedra IFB e coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, é professor associado da FEA-USP e escreve mensalmente às sextas-feiras.