70 anos da CLT

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07/05/2013

Em entrevista exclusiva ao Jornal CNTC, o Presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Carlos Aberto Reis de Paula fala sobre os 70 anos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Reis de Paula defende que a CLT seja repensada em tópicos e atualizada para compilar as mudanças surgidas pela evolução da sociedade.

1.       A CLT completou 70 anos em maio. Qual sua avaliação sobre a Lei hoje?

A CLT teve e tem um papel transformador. Hoje ela ainda é substancialmente atual em seus princípios, embora necessite de adequações pela mudança da realidade. Quando surgiu, rompeu com os sistemas anteriores da escravidão e da contratação de trabalhadores em sistemas de exploração.

Antes da CLT não existia tutela do trabalho sistematizado. Existiam legislações esparsas de algumas categorias que na época já eram organizadas, como trabalhadores de estradas de ferro, mas muito incipientes e muito fragmentadas. A CLT universalizou e organizou um novo direito, o Direito do Trabalho, estabelecendo princípios e uma lógica diferenciada do Direito Civil que existia anteriormente.

Este Direito exerceu papel relevante na transformação da sociedade e das relações de trabalho. É claro que o momento histórico da criação da CLT não implicou em uma imediata; automática mudança das relações de trabalho e da sociedade. Mas serviu de norte para que paulatinamente isso ocorresse.

Quando a CLT começou, não abrangia trabalhadores rurais, só urbanos. Posteriormente, essa barreira acabou e, com o avanço legislativo, que culminou com a Constituição Federal de 1988, a CLT foi revitalizada e os trabalhadores rurais passaram a ter os mesmos direitos e as mesmas garantias. Agora, derruba-se a última das discriminações, das distinções, que é a questão dos trabalhadores domésticos, com a plena universalização da CLT.

2.       A Constituição Federal limitou a atuação das entidades representativas dos trabalhadores no que diz respeito à negociação coletiva e ao dissídio coletivo?

Ao contrário. A Constituição Federal ampliou a representatividade do trabalhador na negociação coletiva, na medida em que deu essa legitimidade exclusivamente às entidades sindicais, especialmente às entidades sindicais de base. Tanto que ficou superado o dispositivo da CLT que admitia a negociação com grupos de trabalhadores não organizados em sindicatos. Hoje, a legitimidade sindical na negociação coletiva é exclusiva. Mesmo nas hipóteses em que a Constituição assegura flexibilização, como no caso da redução temporária de salário e dos turnos de revezamento, o empregador é compelido a negociar com o sindicato.

A Constituição fortaleceu a representatividade e o poder de barganha dos sindicatos. Pode ter havido depois certa dificuldade de expansão desse aspecto da negociação por fatores econômicos, sociais e políticos como, por exemplo, nos períodos de desemprego intenso, quando ocorre uma fragilização dos sindicatos e eles passam a atuar praticamente para não perder direitos conquistados.

A importância da negociação coletiva é que ela estabelece o diálogo para que se consigam mudanças mais favoráveis, de caráter sólido e permanente e, ao mesmo tempo, os sindicatos possam fazer as adequações necessárias.

3.  Em relação à terceirização, qual é o ponto de vista do Presidente?

A questão central são os efeitos jurídicos da terceirização. Primeiro, quando se pode terceirizar, quais são os limites da terceirização. É a matéria mais polêmica. E quais são os efeitos dessa terceirização quanto às responsabilidades em relação aos direitos dos trabalhadores terceirizados. Sobre os limites da terceirização, não podemos admitir que não haja limites para qualquer atividade, mesmo aquelas que são objeto específico da atividade empresarial (atividade fim) e principalmente aquela atividade fim de caráter permanente.

A Constituição Federal, no Artigo 7º, assegurou diversos direitos àquele que tem a condição de empregado. Quem tem a obrigação de garantir esse direito é aquele que se apropria do trabalho para a obtenção do lucro. Se admitirmos uma regra que permite que os trabalhadores não sejam empregados daquela empresa que se apropria do trabalho, haverá uma violação da Constituição Federal.

A possibilidade de terceirização deve ser exceção e não regra. As exceções são justamente em situações em que o trabalho exigido é um apêndice, algo que é necessário para a atividade da empresa, mas não se insere em sua atividade principal. São trabalhos especializados, que não são vinculados à atividade fim da empresa, serviços de asseio, conservação e limpeza, por exemplo, além de um caso interessante, que é o das empresas de vigilância, em que a terceirização é obrigatória. Ninguém pode contratar diretamente um vigilante.

Essa é uma primeira regra que deve ser seguida. A segunda é que a terceirização não pode ser instrumento de precarização. Ou seja, deve assegurar que haja equivalência de remuneração entre os empregados terceirizados e os não terceirizados.

O terceiro aspecto é de responsabilidade. Ou seja, aquele que explora a mão de obra, inclusive para atividade meio, e que contrata outra empresa, deve escolher uma empresa idônea, que possa garantir os direitos do empregado terceirizado. A ausência dessa escolha adequada e a própria autorização de terceirização legal tem que assegurar uma garantia ao trabalhador.  E a melhor garantia é a responsabilidade solidária ou subsidiária da empresa tomadora.

4.       Como o Presidente vê o sistema sindical no Brasil de hoje?

O quadro do sistema sindical no Brasil é muito variável. Há sindicatos com grande legitimidade, bastante representatividade e já numa fase de amadurecimento. E outros que não têm legitimidade política nem inserção social. Estes últimos podem ser considerados quase cartoriais: existem em função de contribuição sindical, sem que efetivamente representem uma categoria de trabalhadores.

Outra questão que preocupa é uma espécie de hibridização do nosso sistema. Temos um ordenamento que assegura uma unicidade sindical e traz normas legais mais ou menos no sentido de que cada categoria profissional seria representada por um sindicato. Mas, ao mesmo tempo, como esse arcabouço constitucional parece não estar se adequando à realidade social, surge uma proliferação de sindicatos, que começam a estabelecer categorias diferenciadas em tão grande variedade de situações que, de fato, esvazia a unicidade sindical.

Então, talvez, o melhor fosse aperfeiçoar o tema e partir para o fim da unicidade sindical, mas acompanhado de uma regulamentação clara, como existe nos países onde há a pluralidade sindical.

Ainda se pode acrescentar a discussão sobre a sustentação econômico-financeira dos sindicatos. Na Constituição se procurou disciplinar as várias formas de custeio do sistema sindical, mas o ideal seria que a atual contribuição sindical, que é imposta, fosse disciplinada através da contribuição federativa. Isso poderia, numa possibilidade de reforma constitucional, ser de caráter compulsório, que hoje não é reconhecido, mas aprovado pela assembleia da categoria. Talvez a lei pudesse estabelecer limites máximos para ela, porque aí não se teria uma ação do estado, uma tributação do estado para beneficiar os sindicatos, que são instituições privadas. Mas ao mesmo tempo se preservaria o custeio assegurando a sobrevivência dos sindicatos que de fato tivessem representatividade.

5. Como o Presidente avalia a Lei n° 12.790/2013 que Regulamenta a Profissão de Comerciário?

É muito importante a existência de uma norma legal que discipline especificamente uma atividade profissional. É um reconhecimento do legislador, como representante da sociedade, daquela categoria e da necessidade dessa disciplina específica. Em relação à jornada e às especificidades da categoria, essa lei prevê e valoriza bastante a negociação coletiva.