Crise do setor de saúde é mais ampla do que falta de médico

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11/07/2013

Na sequência de uma série de anúncios feitos pelo governo federal, de propostas controversas como resposta às manifestações de ruas que dominaram o mês de junho, a solução encontrada por Brasília para a falta de médicos no país também se revela polêmica, embora possa ser considerada uma iniciativa de muitos méritos, que poderá ser aperfeiçoada na sua tramitação no Congresso Nacional. As primeiras reações ao “Mais Médicos”, divulgado pela presidente Dilma Rousseff e pelo ministro da Educação, Aloizio Mercandante, em cerimônia no Palácio do Planalto na segunda-feira, foram mais desfavoráveis do que positivas. Comentários – de especialistas ou não – foram marcados por críticas, dúvidas sobre a viabilidade das medidas, ceticismo sobre a possibilidade de sucesso.

Depois de meses de idas e vindas em torno do plano de trazer estrangeiros ao Brasil para cobrir a carência de médicos nos grotões do país e na periferia de algumas grandes cidades, o principal destaque do “Mais Médicos” foi a decisão de que todos os estudantes de medicina do Brasil ficarão dois anos trabalhando no Sistema Único de Saúde (SUS) após sua formação. Além de cursarem os seis anos do curso, como é o padrão hoje, alunos que ingressarem nas faculdades de medicina a partir de 2015 trabalharão dois anos na rede pública de saúde antes de conseguirem o registro definitivo de médico.

Nesse período extra, o estudante continuará no seu processo de formação, trabalhando exclusivamente em postos de saúde, prontos-socorros e no Samu, vinculado à instituição de ensino original, e receberá uma bolsa do Ministério da Saúde, cujo valor ainda não foi definido – a expectativa é que fique entre R$ 3 mil e R$ 8 mil.

O governo confirmou ainda que vai abrir caminho para o trabalho no país de médicos estrangeiros, mas que eles serão submetidos a um controle rigoroso e que serão contratados por meio de seleção para regiões onde não existam profissionais brasileiros para atuação. A prioridade, porém, seria a contratação de médicos brasileiros para as vagas a serem abertas. Todas as prefeituras poderão se inscrever no programa, mas o foco será em 1.582 áreas consideradas prioritárias, incluindo 1.290 municípios de alta vulnerabilidade social, 201 cidades de regiões metropolitanas, 66 cidades com mais de 80 mil habitantes de baixa receita pública per capita e 25 distritos de saúde indígena.

Não há dúvidas de que o Brasil precisa de médicos e – mais ainda – de uma melhor distribuição de médicos no seu território. Dados do Ministério da Saúde mostram que no Brasil há 1,8 médico para cada mil habitantes. Na Argentina, a proporção é 3,2 médicos para mil habitantes e, em países como Espanha e Portugal, essa relação é quatro médicos. Tanto faltam profissionais dessa área que médicos raramente ficam desempregados e recebem melhores salários que outros profissionais. Estudo recentemente divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que medicina é a carreira que tem o melhor desempenho do ponto de vida de trabalho no Brasil, numa avaliação a partir de quatro critérios: salários, jornada de trabalho, cobertura previdenciária e facilidade de se conseguir emprego.

O salário médio dos médicos, de acordo com o estudo, são os mais altos do mercado de trabalho (R$ 8,4 mil). Além disso, é grande a facilidade de emprego – dados levantados com base no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, entre 2009 e 2012, indicam que a medicina é a carreira em que o profissional tem mais facilidade de encontrar um lugar para trabalhar. Pelo menos 97% dos formandos encontrariam trabalho.

O gargalo da saúde pública do Brasil não se limita, no entanto, à quantidade de médicos: há problemas para fixação dos profissionais, de distribuição de remédios, de infraestrutura e de financiamento. São muitos os casos de cidades ou mesmo regiões inteiras sem atendimento médico, mas falta também infraestrutura para que o médico possa trabalhar de forma adequada se ele for o único da cidade. Faltam hospitais, clínicas, postos de saúde. Na sua iniciativa desta semana, o governo atacou apenas um problema – a falta de médicos. É louvável que tenha sido tomada uma atitude para minorar a situação de milhões de brasileiros sem acesso a médicos, mas o plano ainda é modesto diante das deficiências maiores do setor de saúde no país.

Fonte: Valor Econômico