Sob pressão, Congresso corrige algumas distorções

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16/07/2013

As vigorosas manifestações de rua em junho aceleraram provisoriamente o tempo político no Congresso, que exibiu depois delas uma agilidade na votação de projetos raras vezes vista. Quase sempre os surtos de ativismo parlamentar são tão preocupantes como a letargia que caracteriza seus trabalhos. Há um pouco de tudo como balanço do semestre legislativo – de demagogia ao atendimento de anseios populares.

A parte mais fácil para dar uma satisfação às demandas saídas das ruas foi a relacionada à concessão de subsídios ou dotação de mais recursos para determinadas áreas. Para ampliar despesas, o Congresso sempre mostrou infinita compreensão. O governo já havia proposto, e deputados e senadores rapidamente concordaram, com o fim da cobrança do PIS-Pasep para o transporte público, e desses dois tributos mais a Cofins, para a aquisição de combustíveis, ônibus e outros bens também destinados a esse setor. Com isso, em tese, os preços das passagens poderão ser mais baixos no curto prazo. Caminha nesse sentido o projeto de lei que determina maior transparência no processo de revisão das tarifas do transporte. Licitação bilionária, como a da cidade de São Paulo, foi cancelada pelo prefeito Fernando Haddad (PT), em um passo que pode (ou não) vir a jogar luz sobre a remuneração dos concessionários de transportes, grandes financiadores das campanhas eleitorais.

Se a aprovação de projetos que desoneram os transportes são economicamente defensáveis, as pressões pela melhoria dos serviços públicos de saúde deram o pretexto para que os parlamentares avancem sobre os enormes recursos que virão da exploração do petróleo do pré-sal. Aqui, incorrem em erro tanto o Executivo quanto o Legislativo. O Fundo Social, criado em 2010, no governo Lula, para reunir todos os recursos arrecadados pela União com o pré-sal, foi concebido, entre outros motivos, para garantir uma receita quase permanente, que bancasse, com os retornos de seu capital, investimentos em saúde, educação, combate à pobreza, ciência e tecnologia, cultura e ambiente. A lista original era mais modesta e foi ampliada pelo Congresso, mas, de qualquer forma, existia um norte para os gastos dos recursos e limites para fazê-los.

A presidente Dilma Rousseff, por meio de projeto de lei, propôs a destinação de parte dos recursos que comporiam o Fundo para gastos exclusivos em educação, bem como 50% dos retornos provenientes do capital (Valor, 11 de julho). Perto do desenlace da votação, que pode ocorrer esta semana ou só depois do recesso parlamentar, o governo tenta impedir que os deputados destinem 50% dos recursos que seriam do Fundo à educação e saúde. Uma poupança importante para o futuro poderá, dessa forma, ser consumida em gastos correntes. Não está claro o que restará do Fundo Social após as modificações que estão sendo feitas a toque de caixa.

Na parte estritamente política da agenda, o Congresso deu alguns passos à frente. Sepultou rapidamente a PEC 37, em tramitação há mais de dois anos, que retirava o poder de investigação do Ministério Público e também o que previa tratamento psicológico para homossexuais. O Congresso acabou com algumas de suas votações secretas, um dogma das formas mais evidentes de corporativismo. O Senado rejeitou acabar com os suplentes não eleitos, mas mudou um pouco de posição, reduzindo seu número de dois para um e proibindo que parentes do titular do cargo “herdem” a função.

No elenco de medidas substantivas, o Senado correu e aprovou em tempo recorde uma proposta de emenda constitucional que reduz à metade – de 1% para 0,5% do eleitorado – a necessidade de assinaturas para a apresentação de projetos de iniciativa popular, além de permitir que elas sejam colhidas por meio da internet. O destino da PEC está nas mãos da Câmara. A extensão da lei da ficha limpa aos servidores públicos tem um saudável efeito moralizador, especialmente para a seleção de ocupantes dos mais de 20 mil cargos de confiança na máquina do Executivo.

Como era esperado, o plebiscito sobre a reforma política, que mudaria regras já para as eleições de 2014, foi adiado ou enterrado de vez. A reforma provavelmente continuará sendo um talismã para períodos de crise, sem que avance um milímetro. Ainda assim, projetos de iniciativa popular já renderam um bom fruto (a lei ficha limpa) e podem ser a rota para mudanças onde as desavenças partidárias resultem em paralisia.

 Fonte: Valor Econômico