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A Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados realizou nesta quarta-feira (13) audiência pública para debater as políticas e medidas adotadas para evitar o fenômeno da “revitimização” no atendimento às mulheres vítimas de violência. Evitar a revitimização é mitigar comportamentos, comentários e manifestações que gerem constrangimento ou atribuam qualquer culpa às vítimas durante seu atendimento e encaminhamento, de modo que elas relembrem momentos dolorosos dos quais o único responsável é o agressor. A audiência foi realizada junto com a Comissão Externa destinada a acompanhar a apuração e as ações vinculadas aos crimes de estupro em todo o território nacional a partir do requerimento da deputada Soraya Santos (PMDB-RJ) e do deputado Diego Garcia (PHS-PR).

A vice-governador do Piauí, estado que ganhou destaque de forma triste no noticiário nacional diante de seguidos casos de estupros coletivos, apresentou as mudanças que vem sendo implementadas no atendimento às mulheres vítimas de violência. Margarete de Castro Coelho apontou que estes casos tendem a diminuir a mulher e tirar suas capacidades físicas e morais, muitas vezes com o uso de substâncias ilícitas. Diante disso, o governo do Estado do Piauí mobilizou-se para criar uma rede de proteção aos direitos das mulheres, que engloba movimentos feministas; órgãos estaduais, como Secretarias de Saúde, de Segurança Pública e Infraestrutura; órgãos federais, como a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência (SPM); e entidades de âmbito internacional, como a Organização das Nações Unidas (ONU). Após o diálogo com todas as partes, foi criado o Núcleo do Feminicídio, com o objetivo de monitorar casos de violência  e, a partir disso, desenvolver protocolos e diretrizes de atendimento às mulheres para além do feminícidio, incluindo outros campos de violência, principalmente estupros e violência doméstica. A vice-governadora reconhece a importância de atendimento adequado às vítimas, realizado por profissionais devidamente treinados para lidar com a sensibilidade das situações, e, nesse sentido, tem sido criados núcleos especiais para as mulheres a nível municipal. Ainda, Margarete ressaltou que é necessário sensibilizar o Judiciário para a violência contras as mulheres, reivindicando, por exemplo, que os agressores sejam julgados por júri popular em casos de extrema barbárie, como o ocorrido em Castelo do Piauí (PI).

A Delegada Eugênia Villa, diretora de Gestão Interna da Secretaria da Segurança Pública do Piauí, afirmou que o estupro está fortemente relacionado à ideia de posse sobre o corpo da mulher por parte do agressor, portanto é preciso trabalhar e expor que, apesar de serem apresentados vários motivos para a prática da violência contra a mulher, a dominação masculina, seja ela física e/ou psicológica, e a não aceitação da dissociação das mulheres deste domínio são as principais aspectos que motivam à violência. Eugênia ressaltou que, além das mudanças estruturais que o Estado deve promover para melhorar o atendimento à mulher, deve-se também combater a cultura machista organizacional e capacitar fortemente os policiais, magistrados e promotores na dinâmica da violência contra a mulher, observando e cuidando da saúde sexual, física, psíquica e reprodutiva.

Responsável pelo caso de estupro coletivo no Rio de Janeiro, em maio, a Delegada Cristiana Onorato Bento, titular da Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (DCAV), discorreu sobre a cultura de estupro que existe no país, manisfestada, por exemplo, em opiniões levantadas em relação à agressões contra a mulher considerando-se aspectos como a personalidade e vestimenta da vítima, que levam a sua desqualificação e subvalorização da violência sofrida; segundo a delegada, 42,7% dos entrevistados afirmam que a mulher agredida pelo parceiro gosta de apanhar. Em pesquisa realizada pelo IPEA, 58% dos entrevistados discorda que mulheres que usam roupa curta “merecem” sofrer abusos, mas a delegada chamou a atenção para a alta porcentagem daqueles que concordam com a violência. Ainda há na sociedade uma aceitação alarmante em relação à violência contra a mulher, sob o argumento de quê determinados lugares ou funções implicam tal comportamento de homens para com as mulheres, sendo elas as maiores vítimas de crime de estupro.

Para a Delegada Márcia Noeli Barreto, Diretora da Divisão de Polícia de Atendimento à Mulher, as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher consolidaram-se, possivelmente, como a maior política pública de sucesso no país. Segundo Márcia, atualmente, no estado do Rio de Janeiro, é adotado pela Polícia Civil um protocolo que, desde o primeiro momento de atendimento, proporciona o acolhimento e encaminhamento da vítima de forma humanizada, além de serem adotadas medidas que priorizem a segurança da vítima. Segundo esse protocolo, o atendimento é realizado por policiais devidamente capacitados, preferencialmente mulheres, de forma sigilosa e zelando pela privacidade da vítima e todo o procedimento é explicado para a vítima, buscando dar-lhe mais segurança para falar sobre a violência sofrida. Ainda, busca-se analisar o quadro emocional da mulher durante o atendimento e valorizar seu discurso, uma vez que ainda há, em muitos casos, a subvalorização da palavra da vítima. Márcia Noeli expôs que, no Rio de Janeiro, tem sido realizadas operações para dar visibilidade às vítimas, incentivando as mulheres a saírem do ciclo de violência em que estão inseridas, além de diminuir as subnotificações de casos de violência conta a mulher.

 

Letícia Goedert – Relações Institucionais da CNTC

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