China coloca pé no freio

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17/07/2013

A economia chinesa desacelerou entre abril e junho, marcando o nono trimestre de perda de fôlego. O Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos) da segunda maior economia do mundo cresceu 7,5% no segundo trimestre em termos anualizados, abaixo dos 7,7% apurados na medição anterior e dentro das projeções do mercado. O investimento voltou a ser a mola do crescimento nos seis primeiros meses do ano. Mas na avaliação de especialistas, os dados confirmam a transição de um modelo econômico de crescimento baseado em exportações e investimentos para o de consumo interno, o que terá efeitos complexos sobre o Brasil e o mundo.

No primeiro semestre, a renda disponível nos lares urbanos chineses subiu 6,5% frente a uma alta de 9,7% observada no mesmo período de 2012. A economia avançou 7,6%, tendo o investimento como principal mola do crescimento, contribuindo com 4,1 pontos percentuais. O consumo, por sua vez, contribuiu com 3,4 pontos percentuais. As exportações responderam por 0,1 ponto percentual.

Ao contrário do que ocorre no Brasil, o governo chinês busca fazer com que o consumo supere os investimentos como motor do crescimento. O consumo corresponde a 37,7% do PIB chinês, segundo dados do Banco Mundial (Bird), de 2011, bem abaixo da média das economias avançadas, como EUA e Europa, onde gira em torno de 75% do produto.

Mudança em pleno voo

Para o ex-presidente do Banco Central (BC) e diretor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Carlos Langoni, trata-se de uma transição extremamente complexa. O economista ressalta que a relação entre o crédito de famílias e empresas em proporção ao PIB corresponde a cerca de 200%. Em 2011, pela primeira vez em sua história, a população urbana da China superou a rural. Parte dessa nova população urbana comprou automóvel, apartamento e bens duráveis. Por outro lado, o endividamento cresce entre as empresas para aumentar a expansão da capacidade.

— É como ter que trocar as turbinas de um Boeing que está voando, sem provocar uma aterrissagem forçada — afirma Langoni.

Disseminar a seguridade social que hoje corresponde a cerca de 15% da população, segundo o presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Luiz Augusto de Castro Neves, que foi embaixador do Brasil em Pequim entre 2004 e 2008, é uma das opções do governo para aumentar a força do consumo. Hoje, as famílias poupam porque a maioria não conta com cobertura previdenciária.

Brasil deve buscar alternativas

Analistas são unânimes em dizer que qualquer que seja o ritmo de crescimento chinês, o Brasil precisará passar por um ajuste. No primeiro semestre deste ano, 87,7% das exportações brasileiras para aquele país eram constituídas de produtos básicos. No topo das exportações, a soja representou quase a metade dos produtos embarcados (47,7%). O minério de ferro aparece em segundo lugar, com cerca de 30,3%.

— A observação da economia chinesa é fundamental para nós. Vamos ter que fazer uma transição em sentido contrário: rumo à infraestrutura e à educação. O modelo de crescimento baseado no consumo está amplamente ultrapassado — diz Castro Neves.

Especialistas trabalham com cenários diferentes para a desaceleração chinesa. O primeiro passaria dos atuais 7,5% para algo entre 6% e 6,5% em um horizonte que vai dos próximos três a dez anos, e que permitiria uma mudança mais gradual. Outra estimativa, mais dramática, implicaria uma desaceleração da economia chinesa para 4,5% nesse período.

— Mesmo com o melhor cenário, significa que não podemos só contar com o superciclo das commodities. Vamos ter que contar com fontes internas. Estamos diante de um cenário externo hostil e que pode ficar ainda mais complicado se a China sofrer uma descontinuidade recessiva — afirma Langoni.

Para Kevin Tang, diretor da Câmara Brasil-China, o Brasil tem tempo para se adaptar a uma transição do modelo econômico chinês. Tang vê uma janela de oportunidades de incremento na pauta de exportações para segmentos de alimentos, cosméticos, biotecnologia, biocombustível e biofármacos:

— A partir do momento que a classe média chinesa tiver mais renda disponível, vai consumir mais produtos, desde alimentos, como frangos, carnes, proteínas, a produtos de maior valor agregado, como cosméticos e itens de moda. A China vai se tornar um mercado não só decommodities — diz.

Apesar de um crescimento menor, o anúncio do PIB da China trouxe um dia de tranquilidade ao mercado financeiro global. No Brasil, sem intervenção do BC, o dólar recuou quase 2% frente ao real e o Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), subiu mais de 2%, apesar do exercício de opções sobre ações. Já a moeda americana recuou 1,89% e encerrou o dia cotada a R$ 2,222 na compra e R$ 2,224 na venda, menor patamar desde 27 de junho, quando fechou a R$ 2,196. O Ibovespa subiu 2,65% aos 46.738 pontos com volume negociado de R$ 7,5 bilhões, acompanhando o movimento dos pregões no exterior.

— O resultado do PIB chinês influenciou a alta dos pregões mundiais hoje. A alta das vendas no varejo foi um indicador importante, já que o crescimento chinês nos próximos anos vai depender também do aumento do consumo, além do investimento. Além disso, não houve notícia ruim no exterior — diz João Pedro Brugger, analista da Leme Investimentos.

No exterior, as Bolsas europeias fecharam em alta. O índice Dax, da Bolsa de Frankfurt, ganhou 0,27%; o FTSE, de Londres, avançou 0,63% e o CAC 40, de Paris, teve ganho de 0,61%. Os principais índices acionários dos EUA também subiram. O S&P 500 se valorizou 0,14%; o Dow Jones teve alta de 0,13% e o Nasdaq se valorizou 0,21%.

 Fonte: O Globo