O fim dos boias-frias

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19/08/2013

Às vésperas dos 30 anos da histórica greve dos boias frias — um levante inédito, que mobilizou 5 mil trabalhadores e teve repercussão internacional — a cidade paulista de Guariba vive os últimos tempos da colheita manual de cana-de-açúcar. Em 2014, justamente no ano em que a greve de Guariba completa três décadas, terá início no Estado de São Paulo a mecanização total das lavouras de cana, resultado de um acordo entre o governo estadual e os produtores para eliminar as queimadas, indispensáveis ao corte manual.

Alvo de intensa migração de trabalhadores para os canaviais no passado, Guariba hoje já tem grande parte da colheita mecanizada. Com isso, viu minguar os empregos e agora “exporta” mão de obra. Os antigos boias frias vão trabalhar em outras cidades da região, no Paraná ou em Minas Gerais e até mesmo no Paraguai. Muitos, porém, têm dificuldade de arrumar emprego, devido à pouca escolaridade.

A crise no emprego surgiu com a mecanização das lavouras. Cada máquina substitui entre 80 e 100 trabalhadores. O avanço tecnológico veio para fazer frente a uma reivindicação ambiental, a de acabar com as queimadas, que lançam gases tóxicos na atmosfera, fumaça e fuligem. Entre 2007 e 2011, cada avanço de 1% na mecanização na colheita correspondeu à demissão de 1.027 trabalhadores. Guariba corre contra o tempo. Em São Paulo, 2014 é o último ano em que as queimadas serão permitidas.

11 flexões por minuto e só 15 anos de labuta

O fato é que a monocultura canavieira, motor da economia de Guariba, já não garante vaga para a maioria de seus moradores. Na época da greve, em 1984, Guariba tinha 10 mil cortadores de cana. Hoje, não passam de 1.100. A maioria dos cortadores vem de fora. Já vieram do Vale do Jequitinhonha (MG) e da Bahia. Hoje, os maranhenses são ampla maioria. O Censo de 2010 apontou 1.628 postos de trabalho na agricultura em Guariba. Se antes os boias-frias não tinham direitos básicos, hoje falta o emprego.

— Hoje tem muito direito, mas no papel. Sem emprego, não tem como cobrar — diz José de Fátima Soares, que presidia o sindicato dos trabalhadores rurais de Guariba quando eclodiu a greve, praticamente sem a liderança da entidade.

Os migrantes que conseguem trabalho numa safra costumam voltar na seguinte com mulher, filhos ou parentes. Muitos perderam o emprego, mas não retornam à cidade de origem. O resultado é um enorme esforço para combater a miséria e evitar que esses migrantes fiquem por ali sem ocupação. Guariba tem 3.457 famílias no Cadastro Único de combate à miséria, 1.613 delas beneficiadas no Bolsa Família.

Este ano, a Secretaria de Emprego e Relações do Trabalho de Guariba arrumou emprego para 1.380 moradores do município em outras cidades da região, no Paraná ou Minas Gerais. Até no Paraguai o secretário João Aparecido dos Santos — mais conhecido como Edinho Cantor, por ter feito parte de uma dupla sertaneja — conseguiu emplacar oito de seus desempregados numa usina de açúcar e álcool recém inaugurada. Um frigorífico e uma confecção vão abrir na cidade, mas juntos oferecerão apenas 120 vagas.

— Não posso ficar parado. Busco alternativas — diz Santos, que organiza cursos de requalificação profissional e, com uma agenda de telefones debaixo do braço, faz contatos com empresas em busca de vaga para os desempregados da cidade.

A mecanização também impôs novas exigências de produtividade. Na época da greve, cada trabalhador cortava, em média, sete ou oito toneladas de cana por dia. Hoje, quem corta menos do que 10 toneladas por dia não consegue trabalho. As mulheres foram as primeiras a ficar de fora.

Entre 2004 e 2007, houve 21 casos de mortes de cortadores de cana na região, e a suspeita é de que a causa tenha sido exaustão. Segundo o procurador José Fernando Maturana, do Ministério Público do Trabalho na região de Bauru, é difícil atribuir às mortes diretamente ao trabalho, mas o fato é que elas surgiram quando as exigências de produtividade começaram a aumentar.

— O trabalho é penoso, a céu aberto, sob sol escaldante. Lamentamos que, ainda hoje, não tenhamos conseguido garantir pausas nas horas mais quentes e secas do dia — diz o procurador.

Um estudo do pesquisador Erivelton Laat compara o esforço do cortador ao de um maratonista. Para cortar 12,9 quilos de cana, o cortador realiza, em média, 3.080 flexões de coluna, mais de 11 por minuto, e desfere 3.498 golpes de podão. Em geral, aguentam 15 anos de trabalho. Acabam com problemas na coluna e nos braços. Mesmo assim, o sindicato dos trabalhadores diz que é cada vez mais difícil conseguir se aposentar por motivo de saúde.

Fonte: O Globo