Mulheres que estudaram e deixaram trabalho doméstico voltam a ele

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05/10/2015

Cristiane Souza Mendes, 36, mora numa quitinete de oito metros quadrados bem debaixo do seu sonho: a casa de oito cômodos que constrói na laje de cima, em Boa Vista, bairro de São Gonçalo, região metropolitana do Rio.

Desde que voltou a trabalhar como doméstica, após ser demitida em março do estaleiro Inhaúma, no Rio, o dinheiro ficou curto para terminar a obra. Seu sonhos estão ameaçados pela crise econômica e da Petrobras.

“Faço seis faxinas por mês. No total, ganho um terço do valor de soldadora. Faço 12 horas por dia, volto toda doída”, diz Cristiane, que afirma ter buscado mais casas para trabalhar, em vão.

Como milhares de mulheres, ela retornou recentemente à profissão de doméstica —na qual trabalhara dos 15 aos 32 anos— por falta de alternativa. Com a crise, os empregos no comércio, na indústria e nos serviços estão mais escassos e pagando menos.

Segundo dados do IBGE, o número de trabalhadores domésticos cresceu em 62 mil no trimestre encerrado em julho, para 6,05 milhões. É o maior patamar desde o trimestre terminado em maio de 2013 (6,06 milhões).

“Desde 2014 percebemos crescimento do emprego doméstico. Mulheres que teriam escapado da profissão estão buscando trabalho na área por falta de alternativa melhor”, disse Cimar Azeredo, coordenador de trabalho e rendimento no IBGE.

ASCENSÃO

Falta de alternativa melhor e vontade de ter seu próprio dinheiro levaram Cristiane a seu primeiro emprego como doméstica no mesmo ano em que surgia o Plano Real, 1994.

Vinda de uma família pobre de São Gonçalo, em que a mãe e os seis filhos eram sustentados pelo pai, a menina de 15 anos era tão magra que a primeira patroa duvidou que desse conta do serviço. Lavaria chão e pratos naquela e em outras casas pelos 17 anos seguintes.

Nos anos 2000, porém, o Brasil entraria num ciclo de forte crescimento econômico, apoiado no boom dos preços das commodities e no consumo interno. Em 2010, Cristiane viu num jornal uma oferta de emprego de soldador, com salário de até R$ 5.000. Mãe de um menino de oito anos à época, antecipou quase quatro meses de salário e pagou R$ 2.800 em cursos para aprender a profissão.

Passou um ano na porta do estaleiro Mauá pedindo oportunidade para fazer um teste. Em junho de 2011, conseguiu. Naquele ano, o país gerou 2,2 milhões de empregos formais; o setor naval tocava 312 obras, que empregavam 59 mil trabalhadores.

“Quando passei no teste, comecei ganhando R$ 1.080. Peguei um financiamento na Caixa para fazer minha casa”, diz Cristiane, que trocou o estaleiro Mauá pelo Inhaúma em 2014. “Fui sendo promovida até ganhar R$ 2.800, mais plano de saúde e dentário.”

Ascensão profissional semelhante tiveram outras colegas: entre 2009 e 2013, o número de domésticas (mensalista, diaristas, babás, cozinheiras) caiu de 7,3 milhões para 6,5 milhões, graças à maior qualificação de jovens e à oferta de vagas sobretudo no comércio e serviços.

Essa mudança foi registrada no filme “Que Horas Ela Volta?”, de Anna Muylaert, que retrata uma classe C ascendente durante o ciclo de crescimento do país.

No ano em que Cristiane conseguiu emprego, 2011, o ex-presidente Lula foi convidado pelo sindicato dos estaleiros a dar uma palestra no Mauá. Eleitora do Lula e de Dilma, Cristiane aproveitou para tirar foto com o ex-presidente, que guarda até hoje.

O fim do ciclo de commodities e erros na política econômica, porém, interromperam a dinâmica favorável que permitiu a domésticos mudarem de emprego e valorizou salários e condições de trabalho dos que permaneceram.

Nos últimos 12 meses até agosto, o Brasil perdeu quase 1 milhão de empregos com carteira assinada. Cristiane engrossou a estatística em março passado, quando o Inhaúma foi afetado pela crise da Petrobras. O Mauá, seu primeiro empregador, fecharia as portas em julho, com as encomendas de navios afetadas pela crise e pelo petrolão.

Hoje, Cristiane faz faxina em duas casas —numa delas, semanalmente; na outra, a cada 15 dias—, ganhando por mês R$ 720. Até dezembro, tem ainda o seguro-desemprego, de R$ 1.385.

“Meu sonho era inaugurar minha casa com um almoço de Dia das Mães. Mas a obra está parada. Parece que o estaleiro vai voltar a contratar. Meu sonho é voltar. Suei muito para mudar de vida.”

Fonte: Folha de S. Paulo.