STJ determina julgamento de ação contra a Alpargatas

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19/08/2013

Em 19 de novembro de 1969, Pelé marcava seu milésimo gol, no Maracanã, com uma bola da marca Drible. Quarenta e quatro anos depois, o dono da empresa de artigos esportivos que marcou a carreira do rei do futebol trabalha em uma fábrica de gelo, no bairro da Mooca, na zona leste de São Paulo, enquanto aguarda o desfecho de uma disputa judicial complexa e milionária contra a São Paulo Alpargatas.

Joani Antonio Palmeira, de 64 anos, questiona, por meio de duas ações, suposto descumprimento de um contrato de licença de uso exclusivo da marca Drible, firmado em 9 de novembro de 1999 com a proprietária das marcas Topper, Mizuno, Rainha e Havaianas. Em uma delas, obteve recentemente uma vitória no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

No dia 13, a 3ª Turma rejeitou, por unanimidade, embargos de declaração apresentados pela Alpargatas e confirmou decisão que determinou à primeira instância o julgamento de uma ação em que pede indenização de R$ 480 milhões por danos materiais decorrentes do suposto “esvaziamento” do contrato de licença e depreciação do valor econômico da Drible, pertencente à San Remo Empreendimentos Comerciais. A Alpargatas é defendida pelo escritório Pinheiro Neto Advogados.

Com a decisão, o processo milionário terá que ser julgado pela 22ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo. “Pelos fundamentos da decisão do STJ, o curso dessa ação judicial pode ser surpreendente”, afirma o advogado e mestre em propriedade intelectual Benny Spiewak, do escritório Zancaner Costa, Bastos e Spiewak Advogados.

Depois de rescindir o contrato de licenciamento da marca no início de 2002, Joani Palmeira ajuizou as ações contra a Alpargatas. Em agosto daquele ano, entrou com um pedido de indenização de R$ 4 milhões por danos morais e lucros cessantes pela falta de investimento da Alpargatas na fabricação, comercialização e divulgação da marca Drible. Pelos mesmos motivos, ajuizou nova ação em 2005. Desta vez, com pedido de R$ 480 milhões por danos materiais decorrentes da “diferença entre o valor da marca na época do contrato e de seu valor atual”.

Mais conhecida entre pessoas acima dos 35 anos – como descreve seu próprio dono -, a Drible foi especialmente popular durante as décadas de 1950, 60 e 70. Produzia bolas, luvas de boxe, uniformes e chuteiras, entre outros artigos esportivos. “O nome Drible era forte, era a marca oficial de federações de futebol e de campeonatos”, diz Palmeira. “Até o momento de darmos exclusividade à Alpargatas trabalhávamos com sete empresas, que produziam nossos produtos. Parecia um excelente negócio. Mas a marca foi aniquilada”, acrescenta Palmeira, que continua detentor da marca e em busca de um investidor.

O contrato de licença de marca previa que a Alpargatas fabricaria 23 artigos esportivos da Drible. Apenas quatro foram lançados – um tênis, uma bola, uma meia e meião. “De péssima qualidade”, afirma Palmeira. No processo, a San Remo alega que os produtos devolvidos por lojistas e consumidores não eram repostos, apenas restituia-se o dinheiro ao cliente, o que teria abalado a imagem da Drible. “O índice de devolução foi muito grande, além de não haver equipes de venda e marketing para divulgar os produtos.”

No STJ, a Alpargatas defendia a extinção da ação de R$ 480 milhões por considerá-la idêntica ao primeiro processo. Pelo Código de Processo Civil, quando ocorre a chamada litispendência a segunda ação deve ser finalizada. O juiz da 22ª Vara Cível e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concordaram com a tese da empresa e extinguiram o processo iniciado em 2005. Os ministros da 3ª Turma do STJ, porém, reverteram a decisão a favor da Drible e determinaram a reabertura da ação.

Para a relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, há diferença entre os pedidos de dano moral e material por violação à marca. O dano material seria gerado pelos prejuízos econômicos, enquanto o moral pela projeção de imagem negativa da marca no mercado. “Imagem esta que é vinculada ao titular da marca, pois, em regra, não é dado ao consumidor conhecer os acordos empresariais para produção e fornecimento do produto por parceiros licenciados”, afirma no acórdão. “Por óbvio não se está aqui a afirmar que esses danos se concretizaram, o que ainda terá que ser analisado”, completa.

Depois de quase dez anos de perícias e coleta de depoimentos de testemunhas, a 22ª Vara Cível de São Paulo negou o pedido de reparação por danos morais e lucros cessantes. Em abril de 2012, o juiz Paulo Antonio Canali Campanella decidiu que a Alpargatas não teve culpa no fracasso do negócio, além de não ver “nexo de causalidade” entre seus atos e os danos sofridos pela San Remo. “Dessa forma, as alegações de que os produtos da Drible eram de má qualidade, para não competirem com a marca Topper não devem prosperar”, diz o juiz na sentença. O caso será julgado agora pelo TJ-SP.

No balanço apresentado no início do mês ao mercado, a Alpargatas provisiona perda possível na ação. Quanto ao processo sobre danos materiais – reaberto pelo STJ – aponta perda remota. Na sexta-feira, porém, atualizou o balanço na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para informar que a ação foi reaberta.

Por meio de nota, a Alpargatas informou que não se manifesta sobre ações judiciais em andamento. Na fábrica de gelo, Joani Antonio Palmeira continua à espera do dinheiro que considera seu. “A ideia é usá-lo para voltar com a marca ao mercado. Só espero ter pique para ver isso acontecer”, afirma.

Contratos de financiamento de marcas acabam no judiciário

Em situação contrária à da São Paulo Alpargatas, a Reebok International foi condenada a pagar mais de US$ 15 milhões de danos materiais e lucros cessantes à empresa RBK do Brasil – Comércio, Importação e Exportação, que possuía licença exclusiva para vender os produtos da marca no Brasil. O motivo foi a omissão da companhia britânica – hoje pertencente à Adidas – em adotar medidas para evitar a entrada de produtos contrabandeados, que impediram o cumprimento de metas de vendas e inviabilizaram as operações da empresa brasileira.

A decisão do fim dos anos 90, apesar de antiga, ilustra o problema em torno dos contratos de licenciamento de marca, afirmam advogados. “A questão não é apenas o descumprimento, mas até que ponto um contrato de licença de marca não seguido à risca gera indenização”, afirma o advogado Rafael Lacaz Amaral, sócio do Kasznar Leonardos Propriedade Intelectual.

Para advogados, é imprescindível que esse tipo de contrato seja elaborado pela área jurídica em parceria com os departamentos de marketing, financeiro e produção. “Sempre pergunto aos clientes o que querem com o negócio para evitar omissões e problemas futuros”, diz o advogado Benny Spiewak, do Zancaner Costa, Bastos e Spiewak Advogados.

Para Spiewak, mestre em propriedade intelectual, os fundamentos utilizados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para reabrir o caso Alpargatas serão importantes para o desenrolar do processo. Segundo ele, houve a sinalização do reconhecimento do esvaziamento do contrato, embora seja difícil mensurar os danos. “Violar a marca também é não manter a integridade dela”, afirma.

Fonte: Valor